fotografia: Filipe Sousa | 6 julho 2009 |
Cheguei a Siena, vindo de Roma, no final de uma tarde quente de Julho de 2009, depois de atravessar de comboio as belas paisagens da Toscânia. Entrei pela Porta Ovile, a tempo de ver a cidade com luz natural e captar, num desenho, a Piazza del Campo, aquela que Montaigne descreveu, no século XVI, como «la più bella che si vedda in nissuna altra città». Enquanto o desenho fluía, surgiram, em pano de fundo, as palavras inspiradas de Cecília Meireles, que também se perdeu de amores por Siena quando aqui esteve em 1953.
«…a Piazza del Campo – em forma de concha, cercada de soberbos palácios,
com muitas ruas desembocando por todo o lado e a solitária Torre del Mangia
varando o tempo (…), onde outrora, como os muezins, nas mesquitas, um homem
chamado Mangia vinha anunciar as horas… (…) Siena, a rival de Florença, não se
pode descrever facilmente. Florença é clara, quase linear e translúcida, -
comparada a esta cidade tão medieval, de uma ruiva tonalidade, que faz pensar
em ouro, sangue, ferrugem, e em cujas ladeiras e esquinas não se pode deixar de
ver o perfil das antiquíssimas guerras. (…) Com o meu panforte me vou por estas ruas de Siena, que sobem e descem, em
pedras, degraus, ladeiras, encruzilhadas, por entre palácios fechados, de
suntuosas fachadas. Ai, não fosse a vida esta urgência! Pudéssemos nós ir
sempre subindo e descendo estas ruas, estas escadas, sem fome, sem cansaço, sem
hora certa, puramente em alma!...»
Cecília Meireles, «Da ruiva Siena» in Crônicas de viagem 2 (1953), reimpr. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999, pp. 55-58.