|
fotografia: filipe sousa | 11 março 2020 |
E as "dama" sozinhas de Angola (que não constam do cartaz!), com vidas destroçadas, habitantes dos limites da vida?
«Teresa Chilambo, 35 anos, o marido morreu na guerra, são quatro pessoas em casa, ganha a vida com a lenha;
Alice Vissopa, 49 anos, cria quatro órfãos cujas mães faleceram e cujos pais, um foi para a mata e outro morreu na mina; tem uma pequena lavra;
Joaquina Ngueve, 31 anos, teve dois maridos, um desapareceu há quinze anos, o outro está em Luanda há dois anos, tem sete filhos e vive de vender bebidas fermentadas;
Adélia Jepele, 35 anos, o marido faleceu por doença há três meses, tem seis filhos, vive vendendo fuba;
Jacinta Vondila, 45 anos, o marido faleceu há três anos por doença, cinco filhos, vive de lenha;
Firmina Susso, 40 anos, o marido faleceu na guerra há cinco anos, quatro filhos, vive de lenha;
Clementina Chova, 24 anos, o marido está preso há três anos em Luanda, dois filhos, vive de lenha;
Maria de Fátima, 27 anos, dois maridos, o primeiro faleceu em emboscada, o segundo está com outra senhora em Benguela, três filhos vive de lenha;
Margarida Jondo, 43 anos, o marido faleceu há três anos por doença, quatro filhos, vive da lenha;
Teresa Chicumbo, 24 anos, o marido foi para a tropa há quatro anos e não deu mais notícia, três filhos, vive da candonga;
Maria da Natividade, 30 anos, o marido morreu na guerra, cinco pessoas em casa, vive da candonga;
Flora Massanga, 32 anos, teve três maridos, o último está no Lobango com outra, cinco pessoas em casa, tem uma lavra;
Joaquina Chacuvala, 39 anos, teve dois maridos, um faleceu de doença, outro na guerra, sete pessoas em casa, vive da candonga;
Regina Negueve, 24 anos, teve um marido que foi para o Lubango há três anos, vive com outras cinco pessoas em casa, tem lavra;
Josefa Chissuva, 59 anos, o marido faleceu com doença, cria dois órfãos cujos pais faleceram na guerra, vive da lenha;
Madalena Salassa, 35 anos, o marido faleceu na mina, cinco pessoas em casa, vive da lenha;
Maria Nagueve, 50 anos, dois maridos, um está na UNITA, o segundo tem outra mulher, cria dois órfãos cuja mãe faleceu com doença e cujo pai foi para Luanda com outra, tem lavra;
Margarida Naombo, 60 anos, o marido é cego, cria três órfãos cuja mãe faleceu num ataque e cujo pai tem outra, vive da lenha;
Celestina Cuvanja, 69 anos, o marido faleceu com doença, cria três órfãos, a mãe foi com outro e o pai faleceu;
Evalina Dumala, 63 anos, o marido faleceu com doença, cria quatro órfãos cuja mãe faleceu com doença e cujo pai foi para a tropa, vive da lenha...
Em Setembro de 1992, o Centro de Saúde da periferia de Huambo convidou as «mães sozinhas» residentes na área a recensearem-se. Em duas semanas, acorreram 693. O Centro servia uma população de cerca de 70 mil pessoas, o que representaria cerca de 12 mil famílias. Cinco em cada cem, portanto, seriam «mães sozinhas». «Vieram das aldeias para a periferia das cidades, principalmente por razões de insegurança física. Vieram com os maridos ou juntaram-se já na cidade», explicou na sua edição de 11 desse mês o Jango, com a lista de nomes. «Depois os maridos desapareceram: uns morreram de doença, os mais pela guerra; outros emigraram de novo para outras cidades mas sem a família; alguns escolheram outras mulheres - e elas ficaram sozinhas, mais os filhos. Não sabem ler, não têm profissão, conhecem apenas como trabalhar as terras, mas não têm terras. Saíram das aldeias que foram queimadas, destruídas, perderam os laços sociais (familiares e comunitários) que as enquadravam, juntaram-se a outros homens, párias semelhantes. Agora eles foram e elas, só com os filhos, nada mais têm, nem mesmo existência legal.»»
Pedro Rosa Mendes, Baía dos Tigres, 3ª ed., Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2000, pp. 347-349.