Évora, Rossio de S. Brás

fotografia: filipe sousa | 26 novembro 2021

 
















Há semanas, o circo (da família) Monteiro abancou em Évora. Pretexto para evocar, lendo e ouvindo, «No circo Monteiro nunca chove», ou Portugal ao espelho, by Sérgio Godinho.

NO CIRCO MONTEIRO NUNCA CHOVE

No circo Monteiro nunca chove chuva
Punha com o laço e o palhaço a luva
Trapezistas, tropecistas virtuosos trapacistas
E nas contabilidades sempre equilibristas

O circo Monteiro é sempre ao sol, fá, mi, ré
O circo Monteiro é sempre em pé

No circo Monteiro nunca neva neve
Lá fora há borrasca e toda a rasca em breve
Mas cá dentro lantejoulas, acrobatas em ceroulas
Apanhados com as calças na mão pé ante pé

Mas se o circo Monteiro é marcha à ré, dó, si, lá
Lassa de manter o alvará
Mas se o circo Monteiro é marcha à ré, dó, si, lá
Lassa de manter o alvará

Contada a caixa baixam-se as lonas
E ó ironia era nas lonas que o circo se erguia
Contada a caixa baixam-se as lonas
E ó ironia era nas lonas que o circo se erguia

No circo Monteiro nunca venta o vento
Aqui o arco-irís não vira cinzento
Hipotecados os dentes restam sorrisos contentes
Vê-se no escuro da boca a luz ao fim do túnel

No circo Monteiro é sempre a Belle Époque
O circo Monteiro é flic flac flop
No circo Monteiro é sempre a Belle Époque
O circo Monteiro é flic flac flop

Contada a caixa baixam-se as lonas
E ó ironia era nas lonas que o circo se erguia
Contada a caixa baixam-se as lonas
E ó ironia era nas lonas que o circo se erguia 

No circo Monteiro não se esfria o frio
O calor das palmas dá-lhes às almas frio
Em cada bancada cada susto, espanto, gargalhada
Deixam sem tostões a caixa das reclamações

O circo Monteiro é português
Ai, zis, uis
Dum buraco só doutros azuis
O circo Monteiro é sempre ao sol, fá, mi, ré
O circo Monteiro é sempre em pé
Mas se o circo Monteiro é marcha à ré, dó, si, lá
Lassa de manter o alvará
O circo Monteiro é português
Ai, zis, uis
Dum buraco só doutros azuis

Sérgio Godinho, «No circo Monteiro nunca chove» in Ligação Directa, 2006.