Avignon / Avinhão, Île de la Barthelasse

fotografia: filipe sousa | 19 outubro 2022

 









Da ilha de Barthelasse, no Ródano, tem-se a melhor perspectiva da ponte de Saint Bénézet, cortada a meio do rio. Trata-se da famosa ponte d’Avignon celebrada no refrão da canção infantil: “Sur le pont d’Avignon/On y danse, on y danse/Sur le pont d’Avignon,/On y danse, tout en rond”. Porém, numa missa composta no século XVI, não se dançava sobre mas sob a ponte, numa alusão à sua diminuta largura, que não permitia a execução de farândolas nem sarabandas. Quando muito acolhia “os pífaros e os tamborins”, que não precisavam de tanto espaço, tendo as danças lugar junto dos arcos da ponte, nas margens do Ródano, como deixa entrever este trecho do escritor Alphonse Daudet (1840-1897) em:

«Quem não viu Avignon no tempo dos Papas não viu nada. Pela alegria, pela vida, pela animação, pelo ruído das festas, nunca se viu igual. De manhã à noite, sucediam-se as procissões, as peregrinações, as ruas juncadas de flores, atapetadas de grossas alcatifas, as chegadas dos cardeais pelo Ródano, bandeiras ao vento, galeras enfeitadas, os soldados do Papa cantando latim nas praças, as matracas dos irmãos mendicantes; das casas que se comprimiam em volta do grande palácio papal, como abelhas em volta da colmeia, zumbia o rac-rac dos teares de rendas, o vaivém das lançadeiras tecendo o ouro das casulas, os pequenos martelos dos cinzeladores de galhetas, os alaúdeiros ajustando as cordas, os cânticos das tecedeiras; e além de tudo isso, o badalar dos sinos e também os tamborins que se ouviam rufar, lá em baixo, para os lados da ponte. Porque entre nós, quando o povo está contente, é preciso que dance; e como nesse tempo, as ruas da cidade eram demasiado estreitas para a farândola, os pífaros e os tamborins postavam-se sobre a ponte de Avignon, ao vento fresco do Ródano, e, dia e noite, dançava-se, dançava-se...»

Alphonse Daudet, «A mula do Papa» («La mule du Pape», 30 outubro 1868 in Le Figaro) in Cartas do meu moinho (Lettres de mon molin, 1869), trad. Luís Engénio Ferreira, Atlântida, Coimbra, 1959, p. 18.

Séculos mais tarde, a companhia de bailado de Maurice Béjart (1927-2007), presença assídua no festival de teatro de Avinhão, recuperou essa memória da “dança sob a ponte”, como ilustra a fotografia patente no Jardin des Doms.
Hoje em dia, as coreografias podem ser outras, como as do grupo de jovens canoístas que encontrei a jogar às batalhas navais…debaixo da ponte.