Corfu, Αφιώνας / Afionas

fotografia: filipe sousa | 18 junho 2023

 






















Dia 6 - Ilha de Corfu (Afionas)
A Grécia em geral e a ilha de Corfu em particular estão, como todos sabemos, cheias de estrangeiros que iam a caminho de casa vindos de um sítio qualquer e ali ficaram. Outros chegaram e zarparam porque era mais forte o desejo de alcançarem a sua Ítaca. Diante deste final de tarde em Afionas, a olhar o horizonte, o meu dilema é esse mesmo: ficar ou partir? Não tenho outro remédio senão seguir o destino de Ulisses. Mas a viagem está longe de terminar, de regresso à minha Ítaca.

«(...)E Nausícaa, dotada da beleza dos deuses,
encostou-se a uma coluna perto da ombreira da sala:
olhou maravilhada para Ulisses, mirando-o com os olhos.
E falando dirigiu-lhe as palavras apetrechadas de asas:

"De ti me despeço, ó estrangeiro. Quando chegares à tua terra pátria,
lembra-te de mim: deves-me em primeiro lugar o preço da tua vida."»

Homero, Odisseiacanto VIII, vs. 457-462, trad. Frederico Lourenço, Livros Cotovia, Lisboa, 2003, p. 140.

Corfu, Πόρτο Τιμόνι / Porto Timoni

fotografia: filipe sousa | 18 junho 2023

 

















Dia 6 - Ilha de Corfu (Kassiopi, Afionas, Porto Timoni)
Kassiopi é uma vila de pescadores na costa nordeste de Corfu, a escassos dois quilómetros da costa albanesa. Os romanos estiveram aqui há dois mil anos para pensar, ler e conversar com os deuses. Cícero foi um deles. Muitos anos depois, chegou Miguel de Cervantes, sobrevivente da batalha de Lepanto, para se restabelecer de ferimentos graves num braço. Do outro lado da ilha ficam os paraísos de Afionas e Porto Timoni, por onde deve ter andado, em tempos mais recentes, Eugénio de Andrade, ao que parece o único dos nossos “helenistas” a pisar Corfu.

Kerkira

Com esse cheiro a linho
que só os ombros acariciados têm
a terra é branca
e nua.

Liliáceas em Corfu

Em Corfu os asfódelos devem estar
em flor, quando
o vento os inclina no deserto
dos lábios rompe a água. 

Turismo em Corfu

Onde Ulisses avistou Nausica
com o verão brincando nas areias
espreita agora a nádega indecisa
e vagabunda de qualquer sereia
se não for de algum anjo sodomita. 

Eugénio de Andrade, Escrita da Terra e outros epitáfios (1974), 5ª ed., Inova, Porto, 1983, p.18.

Corfu, Κασσιόπη / Kassiopi

fotografia: filipe sousa | 18 junho 2023

Dia 6 - Ilha de Corfu (Kassiopi, Afionas, Porto Timoni)
Kassiopi é uma vila de pescadores na costa nordeste de Corfu, a escassos dois quilómetros da costa albanesa. Os romanos estiveram aqui há dois mil anos para pensar, ler e conversar com os deuses. Cícero foi um deles. Muitos anos depois, chegou Miguel de Cervantes, sobrevivente da batalha de Lepanto, para se restabelecer de ferimentos graves num braço. Do outro lado da ilha ficam os paraísos de Afionas e Porto Timoni, por onde deve ter andado, em tempos mais recentes, Eugénio de Andrade, ao que parece o único dos nossos “helenistas” a pisar Corfu.

«Kassiopi era idílica, à distância, claro: duas pequenas baías turquesa, com um promontório arborizado encravado entre as duas, e do outro lado da água, tão próximo que quase se podia gritar uma saudação, a solidez proibida das fabulosas cordilheiras das montanhas albanesas.»

Robert Dessaix, Corfu (Corfu, 2001), trad. Ana Teresa Castro, rev. lit. Maria da Piedade Ferreira, editora Gótica, Algés, 2004, pp. 51-52.   

Corfu, Καλάμι / Kalami

fotografia: filipe sousa | 18 junho 2023


















Dia 6 - Ilha de Corfu (Kalami, Nisaki)
Em 1939, em vésperas da Guerra, Henry Miller, que dispensa apresentações, decide visitar a Casa Branca, aceitando o convite do escritor e amigo Lawrence Durrell. Não a White House que estarão provavelmente a pensar, mas a localizada na aldeia de Kalami, no norte da ilha de Corfu. O que deveria ser um curto período de férias, acabou por se prolongar por nove meses, já com a guerra a decorrer. Para averiguar o que teria levado Miller a mudar de planos e a deixar-se ficar por mais tempo, resolvo dar uns bons mergulhos nas águas cintilantes, azul-turquesa e verde-esmeralda, da enseada de Nisaki, e pedir o menu no actual restaurante instalado na Casa Branca, rodeado de aromas da cozinha mediterrânica e de memórias de Lawrence Durrell. Uma combinação imperdível! E para que não restem dúvidas:

«Era quase meio-dia quando o barco atracou em Corfu. O Durrell estava à minha espera na doca com Spiro Americanus, o seu faz-tudo. A viagem de carro até Kalami, a pequena aldeia que fica para o extremo norte da ilha e onde o Durrell tinha a sua casa, demorou cerca de uma hora. Antes de nos sentarmos à mesa para almoçar, fomos dar um mergulho em frente da casa. Há quase vinte anos que não me metia na água. O Durrell e a mulher, a Nancy, pareciam um casal de golfinhos: viviam praticamente na água. Fizemos a sesta depois do almoço e, quando acordámos, fomos a remos até outra pequena enseada que ficava a um quilómetro e tal de distância, e onde havia uma capela branca minúscula. Chegando lá, baptizámo-nos novamente em pêlo.
(...)
Em Kalami os dias passavam como uma canção.
(...)
Eu partia de manhã à procura de enseadas e pequenos braços de mar onde pudesse nadar. Não se via vivalma. Eu era o Robinson Crusoe na ilha de Tobago. Ficava horas a fio deitado ao sol, sem fazer nada, sem pensar em nada. Manter a cabeça vazia é uma proeza, uma proeza muito saudável.»

Henry Miller, O Colosso de Maroussi  (The Colossus of Maroussi, 1941), trad. Raquel Mouta, Tinta-da-China, Lisboa, 2021, pp. 30, 31, 36, 58.