fotografia: filipe sousa | 4 janeiro 2024 |
«Quando o homem
desceu para o oceano por um carreiro talhado na falésia, a amiga dele
abeirou-se do precipício e teve medo. Mar para um lado e para o outro, mar e
mais mar. Mar à altura dos olhos – no horizonte; mar por baixo dos pés. E ao
alto, fechando o mar, um céu fosco arrepiado pela berraria das gaivotas. Tudo
ermo. Em relação à terra, campo raso e um pinhalzito antes de se chegar à
estrada; em relação ao oceano, o que se sabe.
(…)
«Apetecia-me
ir por aí», disse ela a dada altura (…)
(…)
A seguir foi sentar-se entre a porta do carro e correu a vista pelo mar, procurando desviar a memória.
(...)
O descampado arrefecia, agora que o sol se afogava na última dobra do mar. Arrefecia o tempo e ia escurecendo a terra, alumiada pobremente por uns farrapos de nuvens afogueadas.
(...)
«Já reparou
como se fez noite?»
«É verdade.
Pela minha parte tive uma tarde adorável.»
(…)
«Apetecia-me
vadiar até se fazer dia…»
(…)
No automóvel, a caminho de Lisboa:
«Que faz
você amanhã?»
«Não sei. E
você?»
O carro
mordia a estrada, aos uivos nas curvas.»
José Cardoso Pires, O Anjo Ancorado (1958), 5ª ed., Moraes Editores, Lisboa, 1977, pp. 35, 62, 68, 142-143, 148.