fotografia: filipe sousa | 25 junho 2004 |
Faial da Terra
fotografia: filipe sousa | 24 julho 2016 |
«68-205 Quando considero a pequena duração da minha vida, absorvida na eternidade que precede e na que segue, o pequeno espaço que ocupo e que vejo devorado pela imensidão infinita dos espaços que ignoro e que me ignoram, enche-me de terror e espanto achar-me aqui em vez de ali, porque não há razão alguma para estar aqui e não ali, agora e não outrora. Quem me pôs aqui? (...)»
Blaise Pascal, Pensamentos (Pensées, 1669), Publicações Europa-América, Mem Martins, 1978, p. 96.
Paço de Arcos
fotografia: filipe sousa | 25 dezembro 2019 |
«Paço de Arcos, dizem que é a praia aristocrática dos subúrbios de Lisboa. Não sei bem donde é que esta fama lhe procede. Custa tanto já hoje a assinalar na sociedade portuguesa o ponto em que a aristocracia principia e o ponto em que ela acaba!
Há por exemplo viscondes que ninguém considera aristocratas. Há famosos e antigos apelidos cujos possuidores passam igualmente pelas pessoas menos aristocratas do mundo.
Aristocrata chama-se em Portugal ao indivíduo que tem certos hábitos de vida, certos desvelos de roupa branca, certas convivências de salão, um pouco de ar, de maneiras, de toilette e de mão de rédea.
Que estas condições se dêem mais especialmente nos banhistas de Paço de Arcos do que nos outros, eis o que não me atrevo a afirmar.
Como quer que seja, o corpo diplomático patenteia por Paço de Arcos uma predilecção manifesta. Isto imprime à vida dos seus salões o carácter grave e reservado que a diplomacia impõe. (...)
Paço de Arcos tem um hotel habitável - o do Bugio -, e um clube em cujo salão há soirées aos sábados. Os banhistas portugueses são apresentados e pagam uma quota. Para os estrangeiros há convites.
Senhoras espanholas a banhos nestes subúrbios são convocadas em cada semana a levarem aos sábados de Paço de Arcos o doce tributo da sua presença, da sua toilette e da sua expansiva vivacidade.
Assim como pela manhã se pergunta para o banho - «há maré?» - assim à noite se pergunta para o baile - «há espanholas?»
Havendo espanholas, todos os portugueses que estão em Paço de Arcos concorrem ao clube; muitos vêm para esse fim das praias circunvizinhas: da Boa Viagem, da Cruz Quebrada, do Dafundo. A valsa toma nessas noites mais velocidade, mais ímpeto, mais arranque. A pronúncia espanhola lança no ruído geral do baile um elemento de rebate, de alarme, como se se pressentisse ao longe o frémito dos pandeiros, o frenesi das castanholas, a vertigem do bolero.»
Ramalho Ortigão, As praias de Portugal - guia do banhista e do viajante (1ª ed. 1876), Frenesi, Lisboa, 2001, pp. 101-103.
Roma, Curia Iulia
fotografia: filipe sousa | 11 julho 2009 |
«TITO ANDRÓNICO
Para seu corpo glorioso mais convém outra cabeça
Que esta, que treme de velhice e abatimento.
Para quê vestir a toga e importunar-vos?
Ser escolhido hoje por aclamação,
E amanhã devolver o mando, ceder a vida,
E de novo a todos dar que fazer?
Roma, fui quarenta anos teu soldado,
Conduzi as forças da pátria com sucesso,
E sepultei vinte e um valentes filhos,
Armados cavaleiros na batalha,
Valorosamente mortos pelas armas,
Pela causa e pelo serviço de sua nobre pátria.
Dai-me um bordão de honra para a minha idade,
E não um ceptro para dominar o mundo:
Empunhou-o bem, senhores, o último a empunhá-lo.
MARCO
Tito, receberás o império, se o pedires.
SATURNINO
Como podes dizer isso, tribuno soberbo e orgulhoso?
TITO ANDRÓNICO
Acalmai-vos, príncipe Saturnino.
SATURNINO
Romanos, fazei-me justiça.
Patrícios, puxai das espadas e não as volteis a embainhar
Até Saturnino ser imperador de Roma.
Andrónico, antes fosses embarcado para o inferno,
Que roubares-me ao coração do povo.
LÚCIO
Orgulhoso Saturnino, estorvo do bem
Que o generoso Tito quer para ti!
TITO ANDRÓNICO
Alegra-te, príncipe; devolver-te-ei
O coração do povo, desviando-o de si mesmo.
BASSIANO
Andrónico, eu não te lisonjeio
Mas venero-te, e fá-lo-ei até à morte.
Se quiseres, com teus amigos, reforçar o meu partido,
Ser-te-ei profundamente grato; e, para os homens honrados,
A gratidão é honrada recompensa.
TITO ANDRÓNICO
Povo de Roma e tribunos do povo aqui presentes,
Peço vossos votos e sufrágios:
Quereis confiá-los generosos a Andrónico?
TRIBUNOS
Para agradar ao bom Andrónico,
E celebrar o seu regresso ileso a Roma,
O povo aceita quem ele designar.
TITO ANDRÓNICO
Tribunos, eu vos agradeço, e faço este pedido:
Que elejais o primeiro filho do nosso imperador,
O senhor Saturnino, cujas virtudes, espero,
Se reflectirão em Roma como na Terra os raios do Titã,
E farão madurar a justiça nesta república.
Se quiserdes então eleger aquele que aconselho,
Coroai-o e dizei: "Viva o nosso imperador!"
MARCO
Com as vozes e aplausos de todos,
Patrícios e plebeus nomeamos
O senhor Saturnino grande imperador de Roma,
E dizemos: "Viva Saturnino, o nosso imperador!"»
William Shakespeare, Tito Andrónico (The Most Lamentable Romaine Tragedie of Titus Andronicus, 1593?), trad. José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Miguel Cintra, Ed. Teatro Nacional D. Maria II e Edições ELO, Lisboa, 2003, pp. 19-21.
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