fotografia: filipe sousa | 25 dezembro 2019 |
«Paço de Arcos, dizem que é a praia aristocrática dos subúrbios de Lisboa. Não sei bem donde é que esta fama lhe procede. Custa tanto já hoje a assinalar na sociedade portuguesa o ponto em que a aristocracia principia e o ponto em que ela acaba!
Há por exemplo viscondes que ninguém considera aristocratas. Há famosos e antigos apelidos cujos possuidores passam igualmente pelas pessoas menos aristocratas do mundo.
Aristocrata chama-se em Portugal ao indivíduo que tem certos hábitos de vida, certos desvelos de roupa branca, certas convivências de salão, um pouco de ar, de maneiras, de toilette e de mão de rédea.
Que estas condições se dêem mais especialmente nos banhistas de Paço de Arcos do que nos outros, eis o que não me atrevo a afirmar.
Como quer que seja, o corpo diplomático patenteia por Paço de Arcos uma predilecção manifesta. Isto imprime à vida dos seus salões o carácter grave e reservado que a diplomacia impõe. (...)
Paço de Arcos tem um hotel habitável - o do Bugio -, e um clube em cujo salão há soirées aos sábados. Os banhistas portugueses são apresentados e pagam uma quota. Para os estrangeiros há convites.
Senhoras espanholas a banhos nestes subúrbios são convocadas em cada semana a levarem aos sábados de Paço de Arcos o doce tributo da sua presença, da sua toilette e da sua expansiva vivacidade.
Assim como pela manhã se pergunta para o banho - «há maré?» - assim à noite se pergunta para o baile - «há espanholas?»
Havendo espanholas, todos os portugueses que estão em Paço de Arcos concorrem ao clube; muitos vêm para esse fim das praias circunvizinhas: da Boa Viagem, da Cruz Quebrada, do Dafundo. A valsa toma nessas noites mais velocidade, mais ímpeto, mais arranque. A pronúncia espanhola lança no ruído geral do baile um elemento de rebate, de alarme, como se se pressentisse ao longe o frémito dos pandeiros, o frenesi das castanholas, a vertigem do bolero.»
Ramalho Ortigão, As praias de Portugal - guia do banhista e do viajante (1ª ed. 1876), Frenesi, Lisboa, 2001, pp. 101-103.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.