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fotografia: filipe sousa | 22 setembro 2020
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«Antes da guerra (o porto do
Funchal) via entrar, em média, 1419 navios por ano, correspondendo a 10.261.000
toneladas. O pavilhão inglês vinha em primeiro lugar com 558 navios e 5.730.000
toneladas, ou seja 56 p. 100 do movimento total. A Alemanha ocupava o segundo
lugar com 19 p. 100, Portugal o terceiro com 9 p. 100. (…) Funchal era o
segundo porto português com 35 p. 100 da tonelagem do conjunto dos portos do
continente e das ilhas, Madeira e Açores. Detinha três quartos da tonelagem dos
dois arquipélagos.
A guerra naturalmente veio
provocar uma crise profunda. Em 1946, o porto do Funchal apenas foi visitado
por 327 navios correspondendo a 1.466.000 toneladas, o que significa que o
movimento caiu a 23 por 100 quanto ao número de navios e a 13 p. 100 quanto à
tonelagem em relação ao período antes da guerra. (...)
Com a guerra, a economia da
Madeira sofreu muito devido ao encerramento de vários mercados de consumo dos
seus melhores produtos, tanto mais que esses mercados não se reabrem senão
muito lentamente. A exportação de vinhos e bordados não atinge o nível de antes
da guerra. Para outros produtos, como as bananas, Portugal tornou-se o único
comprador. (...) A produção de certos produtos agrícolas (primores, cebolas)
escoa-se para os mercados tradicionais da América e os bordados são vendidos
nos Estados Unidos e no Brasil. Todavia, a crise subsiste para o comércio dos
vinhos. No mundo conturbado do após-guerra, estes produtos de qualidade já não
têm o mesmo lugar que tinham.»
Orlando Ribeiro, A Ilha da Madeira até
meados do século XX - estudo geográfico (1949), 2ª ed., Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1985, pp. 128-129.
«Chovia
na Madeira. Às dez da manhã os corretores enxameavam a conhecida e acanhada
cidade. Tomava-se vinho generoso no Golden Gate, a chuva escorria dos barretes
fálicos pendurados à porta das lojas. Os cicerones usavam chapéu de palha e
fita azul, e perseguiam a gente através de todo o Funchal; não desanimavam um
segundo pelo facto de estar a chover. Falavam de luxe, de sex,
e de qualquer coisa relativa a dancing girls. Como a do senhor
Beverly Nichols, a sua indústria estribava-se na procura de paraísos
artificiais. Depressa, depressa, o desembarque é só por meia hora, o vigor da
mocidade não dura sempre, arranje outra rapariga antes que seja tarde: não foi
feliz com a que escolheu, experimente mais uma. As floristas vendiam violetas,
açucenas e rosas, debaixo de chuva, as carapuças fálicas pingavam, os cicerones
não compreendiam que se não quisesse uma mulher logo depois do primeiro almoço,
em dia pluvioso. Havia outras formas de matar o tempo: tomar vinho no Golden
Gate, voltar para bordo e ler Lady Eleanor Smith e o senhor
Beverly Nichols.
Entraram no navio mais dois
passageiros, que tinham comprado bilhetes sem direito a
acomodação: um moço artista e sua mulher, ambos alemães. Autorizaram-nos a
dormir na enfermaria. Ele era forte e sardento e vestia casaco de bombazina;
conhecera D. H. Lawrence em Taos e Mabel Dodge Luhan, o que lhe não fazia
diferença nenhuma, pois não tencionava escrever a este respeito. Na enfermaria
dispôs as suas telas, paisagens toscas, realistas, e caras tisnadas de
mexicanos. Escurecia. Bebeu-se mau vinho da Madeira e o artista discorreu sobre
desporto e beleza corporal; a mulher, pequenina, cheia de curvas,
condescendente e simpática, estava enjoada e não abria a boca. O homem
acreditava em Hitler e no Nacionalismo, apreciava o amor e a natação, assim
como as pinturas de Orpen e De Laszlo, porém as de Munke já não o satisfaziam,
não tinham alma, declarou, eram materialistas – mas não que ele descresse do
Corpo, da Beleza corporal e do Amor físico. Agradava-lhe a ideia de ir também a
África e ilustrar o livro que eu escrevesse. Um artista estava à vontade em
toda a parte. Todavia, depois do jantar, mudou de opinião; e a sua companheira,
suave e condescendente, que declarara «não se importar de ir a África», mudou
também de parecer em seguida ao jantar. Era mau pintor, mas sem falsidade.
Vivia de quase nada; cria em si e nas suas confusas ideias teutónicas.»
Graham
Greene, Jornada sem mapas (Journey without maps, 1936), trad.
Cabral do Nascimento, Editorial Minerva, Lisboa, 1964, pp. 22-24.