Moura, Rua das Hortas

fotografia: filipe sousa | outubro 2012

 

















Num tempo de Outono-quase-Verão, a horta exibe sinais que nos transportam à Primavera. Numa alusão às romãzeiras em flor que, por esta altura, nos brindam com o fulgor dos seus frutos.

Da Ilha dos Amores, das ninfas e dos lusos argonautas, do clássico-moderno Luís de Camões, às ilhas dos desamores da lagoa da Gafeira, de Palma Bravo e Maria das Mercês, do moderno-clássico José Cardoso Pires, três passagens com as romãzeiras em primeiro plano.

«Abre a romã, mostrando a rubicunda

Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes;

Entre os braços do ulmeiro está a jucunda

Vide, c’uns cachos roxos e outros verdes;

E vós, se na vossa árvore fecunda,

Peras piramidais, viver quiserdes,

Entregai-vos o dano que cos bicos

Em vós fazem os pássaros inicos.»

Luís de Camões, Os Lusíadas, canto IX, LIX, (1572), introdução, notas e vocabulário de António José Saraiva, 2ª ed., Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, p. 380.                                                                 

«A romãzeira está brava, assaltada por legiões de formigas. Apesar disso, cabe-lhe a homenagem, porque, nesta época do ano e nesta desolada terra, é a única exclamação da Natureza. Árvore bravia, de sombra rendilhada, que já foi sumo e que hoje fica na flor: à volta não vejo senão pedras e formigas, restos de comida e cães à espera dos donos. E no meio, ela. Ela, enchendo a página, com um herbário escolar, com a folhagem tatuada de injúrias (do Velho), caprichos de interrogações nas flores, pontinhos a formigar. É um cântico de vermelho exposto ao sol outonal, esta árvore, e sustenta nos braços cor de cobre toda uma abóbada de chagas em alegria. Tem, para finalizar, a inestimável utilidade da beleza - coisa importantíssima.» 

«Estou nas traseiras da pensão e este é o quintal da romãzeira selvagem com os exércitos de formigas que a cobrem e com toda a poesia das suas chagas em flor.»

José Cardoso Pires, O Delfim (1968), 2ª edição booket, Publicações Dom Quixote, 2008, pp. 106, 161.

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