fotografia: filipe sousa | 25 dezembro 2023 |
«Reparo no céu...Como num quadro inverosímil de Turner as névoas esgarçadas embebem-se em reflexos vermelhos - cores delicadas de nácar, interiores de conchas, tons róseos bebidos pelas gotas de humidade. (...) mas é no céu que se representa a verdadeira tragédia: os tons violetas da agonia carregam-se e condensam-se; as nuvens ensopam-se de tinta mais escura e um grande véu lilás interpõe-se pouco e pouco entre mim e a paisagem. Todas as cambiantes vão reflectir-se nas águas onde bóia ainda o doirado do poente. Sinto que a tinta que envolve a paisagem morre a muito custo, e que toda esta humidade se quer fartar de luz, transformando-se como numa mágica em explosões e cores desgrenhadas pelos ares e em cenários irreais na terra cheia de mistério, até que um único risco de oiro ao cimo de água, oscila, serpenteia e acaba por desaparecer num último arabesco...(...) Só aqui se compreende bem o que a luz lhe custa morrer...»
Raul Brandão, Os Pescadores (1923), Estante Editora, Aveiro, 1989, pp. 79-80, 82.
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