Bourdeaux / Bordéus, Place de Quinconces

fotografia: filipe sousa | 8 janeiro 2020

 















— Ora a bicicleta resolveu o problema. Remedeia a nossa lentidão e suprime a fadiga. O homem tem agora à disposição todos os meios. O vapor e a electricidade não passam de progressos que serviam o seu bem‑estar. A bicicleta é um aperfeiçoamento do próprio corpo, quer dizer, o seu acabamento. É um par de pernas mais rápidas que lhe é oferecido. O homem e a máquina são um só. Não são dois seres diferentes como o homem e o cavalo, dois instintos em oposição. Não, é um só ser, um autómato feito de uma só peça. Não há um homem e uma máquina. Há só um homem mais rápido.

Maurice Leblanc, Voici des ailes!, 1897, in De Bicicleta, Antologia de textos, trad. José Cláudio, Júlia Ferreira, Relógio d'Água Editores, Lisboa, 2012, pp. 11-12. 

Lagoa da Albufeira

fotografia: filipe sousa | 23 dezembro 2024

 






















«EPIDAURO

O cardo floresce na claridade do dia. Na doçura do dia se abre o figo. Eis o país do exterior onde cada coisa é
trazida à luz
trazida à liberdade da luz
trazida ao espanto da luz (…)»
Sophia de Mello Breyner Andersen, Poemas escolhidos (Geografia, 1967), Círculo de Leitores, 1981, p. 98.

Bourdeaux / Bordéus

fotografia: filipe sousa | 9 dezembro 2024

 

















Soneto do vinho

Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjugação astral, em que secreto dia
Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa
Ideia singular de inventar a alegria?
Com outonos dourados a inventaram. O vinho
Vai fluindo vermelho pelas gerações
Como o rio do tempo e no árduo caminho
Oferece-nos a música, o fogo, os leões.
Na noite jubilosa ou na jornada adversa
Ele exalta a alegria ou suaviza o espanto
E o ditirambo novo que agora lhe canto
Outrora lhe cantaram o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver minha história
Como se ela já fosse cinza na memória.
Jorge Luís Borges, O Outro, o Mesmo (1964), Poesia completa, trad. Fernando Pinto do Amaral, Quetzal, Lisboa, 2022, p. 228.

Reserva Botânica da Mata dos Medos

fotografia: pedro sousa | 1 dezembro 2024

 






















«O que será amanhã, evita perguntar; e seja qual for, dos dias possíveis, aquele que a Sorte dará, regista-o como lucro (…)»

Quinto Horácio Flaco (65 a.C. – 8 a.C.), Poesia Completa, texto latino, estabelecido, traduzido e anotado por Frederico Lourenço, Odes, Livro I, frag. 1.9.13-15, Quetzal, Lisboa, 2023, pp. 45-47.

«(…) Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente (…)»

Ricardo Reis, Poesia I, Odes, 16-6-1914, Fernando Pessoa, Obra completa de Ricardo Reis, ed. de Jerónimo e Jorge Uribe, Tinta-da-China, Lisboa, 2024, p. 41.

Mata dos Medos, Arriba Fóssil da Costa de Caparica

fotografia: filipe sousa | 30 novembro 2024

 






















UM DIA

Um dia mortos, gastos voltaremos 
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados, irreais
E há-de voltar aos nossos membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais, na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner Andersen, Poemas escolhidos (Dia do Mar, 1947), Círculo de Leitores, 1981, p. 19.