Venezia / Veneza, Gran Canale

«(...) Numa estação de barcos, esperámos um barco vazio que finalmente apareceu. Era ao fim da tarde, quase já ao lusco-fusco. Subimos devagar o Gran Canale, rente ao tremular dos reflexos dos palácios na laguna. Depois metemos pelo labirinto verde-escuro, silencioso e um pouco assustador dos pequenos canais, até que, por trás de uma esquina à nossa frente, se ergueu o brado do gondoleiro, ressoando contra as paredes de pedra. E de súbito, lentamente, deslizou ao nosso encontro o Oriente misterioso e inefável. Era um casal, um homem e uma mulher. Os seus traços mostravam que vinham dos confins da Ásia, eram belos, grandes, hieráticos, sentados na gôndola como se estivessem no frontão de um templo. Imóveis, impassíveis, mesmo quando quase nos roçaram passando ao nosso lado, nem o menor pestanejar nem o menor gesto dizia que nos vissem. Mas a intensidade da sua presença tornava o tempo mais lento e os silêncio absoluto. E desapareceram devagar como se nunca tivessem aparecido.
No Café Florian, perguntando a mim própria se seria possível escrever sobre Veneza, lembrei-me de duas linhas do poeta Heleno Oliveira: "Dizer-te é dizer o já dito... Ópera vermelha, escura elegia?"
Mas mesmo antes de aqui ter chegado um dia, já muita vez tinha escrito sobre Veneza: 
            Há cidades acesas na distância
            magnéticas e fundas como luas.»

Sophia de Mello Breyner Andresen, «Voltar a Veneza», Grande Reportagem, nº 79, Lisboa, Outubro 1997. 

aguarela: filipe sousa | julho 2003

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