Berlin / Berlim, Genthiner Strasse 38


fotografia: filipe sousa |  25 janeiro 2020



























«-Foi o senhor que perdeu o nariz?
- Exactamente.
- Encontrámo-lo.
- Não me diga! - gritou o major Kovaliov. A alegria fê-lo perder a fala. Devorava com os olhos o chefe de esquadra, em cujos lábios e bochechas rechonchudas dançava a luz clara e trémula da vela.
- Como conseguiram?
- Numa circunstância estranha: foi apanhado quase em fuga. Já estava sentado na diligência que ia para Riga. Era portador de um passaporte em nome de um funcionário. É curioso que, a princípio, eu próprio o tomei por um cavalheiro. Felizmente, levava os óculos comigo e vi logo que não passava de um nariz. É que sou míope, e, se o senhor se puser à minha frente, a única coisa que vejo é que tem rosto, mas não distingo nariz, nem barba, nada. A minha sogra, ou seja, a mãe da minha mulher, também não vê nada.
Kovaliov estava excitadíssimo.
- E onde está, onde está? Vou já buscá-lo.
- Não se preocupe. Como sabia que precisava dele, trouxe-lho. (...)
O nariz do senhor encontrava-se no mesmo estado em que estava dantes.
Com estas palavras, meteu a mão ao bolso e tirou o nariz embrulhado num papel.
-É ele! - gritou Kovaliov - É mesmo ele!»

Nikolai Gógol, O Nariz, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000, pp. 58-59.      

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