fotografia: filipe sousa | 24 agosto 2020 |
Temi o verão, o tempo. Aproximava-se.
fotografia: filipe sousa | 24 agosto 2020 |
Temi o verão, o tempo. Aproximava-se.
fotografia: filipe sousa | 27 abril 2020 |
São dessa Safo poetisa da paixão e da natureza, de que nos chegaram sobretudo registos mutilados, os três versos seguintes retirados do seu «O Pomar de Afrodite», bem à medida das fotografias, ou, pensando melhor, que as dispensam ou tornam acessórias, pois que «em nenhum autor grego encontramos uma alquimia tão milagrosa entre o som da poesia e a sugestão visual do respectivo significante» (Frederico Lourenço).
O pomar de Afrodite (fr.2 PLF)
(...)
fotografia: filipe sousa | 25 janeiro 2020 |
É, por isso, a nossa escolha para assinalar o Dia Mundial da Terra.
«Nos nossos dias, é quase impossível encontrar um recanto da Terra onde a Natureza não tenha já sofrido com a presença do homem.
Muitos povos, transformando o coberto vegetal da biosfera, souberam criar paisagens de grande beleza onde se desenvolveram notáveis civilizações. Nessa paisagens mantêm-se a complexidade biológica indispensável à realização dos fenómenos e relações ecológicas que garantem a presença da Natureza. Uma gestão sábia dos recursos vivos assegura a manutenção da capacidade de regeneração dos mesmos e a fertilidade da terra, de que dependem a existência e o desenvolvimento das comunidades humanas.
Estão incluídos nestas paisagens os agro-sistemas tradicionais que, ainda hoje, ocupam grande parte do território português. Estes sistemas culturais, utilizando solos delgados, constituem uma herança valiosa que importa conservar e desenvolver. a sua estrutura ecológica e funcionamento equilibrado garantem o povoamento e a estabilidade do território bem como um quadro de significativa riqueza biológica.
O mundo moderno que considerou o universo como uma máquina sujeita, por isso, a uma ordem matemática e precisa, procurou dominar e reordenar a Natureza aplicando-lhe os princípios da mecânica. Nasceu, assim, a ideia de um progresso amoral e contínuo a que Darwin, sem o querer, reconhecendo a fatal sobrevivência dos mais fortes e aptos, veio dar alento com a sua teoria sobre a selecção natural.
Estava aberto o caminho para a concretização abusiva das ideias de Adam Smith: o mundo pertence aos mais aptos, isto é, àqueles e às gerações que melhor são capazes de proteger o seu interesse material.
Neste final do século XX, se olharmos para trás, podemos admirar as inúmeras conquistas da ciência, e o avanço da tecnologia, realizadas nos últimos séculos, em prol da humanidade. No entanto, não podemos deixar de verificar que, apesar do progresso, cresceram enormes barreiras, culturais, sociais e económicas, entre povos de diferentes regiões e camadas da população de um mesmo país. Milhões de seres humanos, pertencentes às sociedades consideradas desenvolvidas, têm uma eficaz assistência à saúde, é-lhes garantida uma certa segurança social, podem adquirir um elevado número de bens e enriquecerem-se culturalmente, enquanto muitos outros vegetam, sem dignidade, ao lado ou à distância da abundância, sem esperança de melhores dias, ou, mesmo, morrem de fome e subalimentação, como sucede, tragicamente, em tantas regiões da África, da América do Sul e da Índia.
Esta enorme desigualdade é, em grande parte, consequência da aplicação dum economicismo exacerbado, assente na rentabilização financeira, a curto prazo, dos investimentos.
A eliminação dos biótopos silvestres que permitem as mais variadas formas de vida, e que constituem a estrutura básica das paisagens tradicionais, diversificadas e equilibradas, também contribui para o processo de desertificação e despovoamento que se verifica em muitas regiões do globo terrestre.
A destruição sistemática da Natureza tanto se verifica nos chamados países desenvolvidos como nos de subdesenvolvimento crónico ou, ainda, nas regiões onde a espécie humana, devido a condicionalismos ecológicos, está sujeita a rigorosos limites demográficos. Neste caso, a devastação afecta muitos dos sistemas naturais indispensáveis ao equilíbrio ecológico do nosso planeta.
Os recursos naturais do Terceiro Mundo, facilmente exportáveis, são explorados até à exaustão, dando lugar a efémeras explorações extensivas, agrícolas ou de pecuária.
Em nome do progresso, assistimos na Europa à contaminação das paisagens tradicionais por produtos tóxicos industriais, que degradam a qualidade dos elementos essenciais à vida: o ar, a água e o solo vivo. Os sistemas agro-químicos de exploração da terra têm vindo, no Velho Continente, a provocar a destruição sistemática da variedade e do equilíbrio biológico e das estruturas ecológicas permanentes, que são factores indispensáveis à fertilidade e à riqueza genética do espaço rural.
O modelo de crescimento económico que tem sido seguido em Portugal necessita de um gasto excessivo de energia importada e promove a degradação da Natureza e a simplificação da paisagem.
O crescimento não se traduz, na maioria dos casos, por um desenvolvimento real da sociedade, mas sim pelo aumento do produto nacional bruto, o que só favorece alguns sectores privilegiados da economia e camadas minoritárias da população.
Na sequência do processo, o fundo de fertilidade dos melhores solos aráveis é destruído pelos sistemas agro-químicos, grandes consumidores de energia exterior. As terras menos férteis, onde foram instalados ecossistemas humanizados de significativa riqueza paisagística e biológica, tais como os «montados» e as «bouças», são sistematicamente ocupadas por extensos povoamentos industriais de eucalipto. Estes povoamentos, para além de degradação e provocarem a sua rápida mineralização e erosão, são a principal causa da desertificação e despovoamento do espaço rural, obrigando os camponeses a emigrarem dos campos para os subúrbios das cidades do litoral, onde os espera a marginalidade social e carências económicas e culturais de toda a ordem.
A simplificação das paisagens e a degradação da Natureza, fazendo crescer o afluxo da população rural aos grandes espaços urbanos, provoca o aumento das áreas «betonizadas», devido à construção de edifícios e de vias de circulação, e a «mineralização» dos solos suburbanos, devido à sua ocupação por barracas, resíduos e lixos ou por serem abandonados pela agricultura, em face da expectativa de valorização financeira que sempre atinge os terrenos situados na vizinhança dos centros urbanos. Neste último caso, a Natureza, antes mesmo de chegar o betão, degrada-se e morre porque a agricultura desapareceu.
O espaço urbano alarga-se, indiscriminadamente, à custa dos bens e do capital humano, produzidos e acumulados no sector rural e exportados para as grandes cidades.
As «barracas» miseráveis, alternando com os grandes blocos, «colmeias» de habitações exíguas, alastram por todo o lado como mancha de óleo vazada em tampo de vidro. As ribeiras, as matas e sebes vivas, as hortas são destruídas pelas construções e infra-estruturas. A agricultura e a Natureza são obrigadas a afastarem-se para áreas cada vez mais longínquas onde ainda se faça sentir a valorização especulativa dos terrenos urbanizáveis.
A «mineralização» dos solos das cidades, ainda libertos de construções, pelo excessivo calcamento e deposição de resíduos, e a dos solos agrícolas, devido à «eucaliptização» e agro-química, é um dos aspectos mais graves que afecta, em Portugal, a Natureza.
A imposição do betão no espaço rural, substituindo a pedra dos muros e das casas, a madeira e o granita dos esteios das vinhas, a margem natural das linhas de água, também concorre para a degradação da Natureza, e empobrecimento cultural dos povos. O regime hídrico é alterado com a retirada das areias dos rios para fabrico do betão, com graves prejuízos para os ecossistemas fluviais.
A poluição dos rios, provocada por uma industrialização selvagem, constitui em Portugal um problema ambiental de extrema gravidade, dada a sua repercussão nos sistemas fluviais e estuarinos das bacias hidrográficas e na própria costa.
O futuro dos nossos filhos obriga-nos a defender a paisagem e a procurar aumentar a sua capacidade para a vida em todo o território nacional. Só assim será possível criar as condições que permitem aumentar o bem-estar das populações, quer no espaço rural quer no urbano, e recriar uma paisagem onde a Natureza tenha os eu lugar primordial.
A paisagem do futuro deverá assentar: na produção de bens; na permanência da fertilidade; na preservação da variedade genética e da vida silvestre; na manutenção dos processos ecológicos essenciais à vida, que incluem a manutenção da capacidade de regeneração dos recursos vivos; na conservação da multiplicidade de formas da Natureza.
Esta paisagem deve possuir os atributos do Jardim do Paraíso concebido para o homem.
Na realidade, o Éden é, desde a mais remota Antiguidade, o protótipo ideal da felicidade e plena realização da humanidade. Lugar onde a Natureza, percorrida por águas livres e sussurrantes, adquire, por um lado, a máxima expressão de espiritualidade, beleza, equilíbrio e variedade de formas e, por outro, produz os bens materiais necessários à existência da espécie humana. Compete-nos realizá-lo.
O livro Salvemos a Terra é um valioso contributo para abrir o caminho do futuro, não só porque é um alerta, em face da catástrofe ecológica de que o mundo começa a ter consciência, como também é um instrumento eficaz de informação e de educação para que seja possível uma sociedade mais justa e uma terra onde a Natureza seja amada, respeitada e sabiamente gerida.
Lisboa, 9 de Abril de 1991
Gonçalo Ribeiro Telles
Arquitecto paisagista; engenheiro-agrónomo; professor catedrático da Universidade de Évora; presidente do conselho do Departamento de Planeamento Biofísico e Paisagístico da UE; professor coordenador da Secção Autónoma de Arquitectura Paisagista do Instituto Superior de Agronomia da UTL; ex-secretário de Estado do Ambiente, ex-ministro de Estado e da Qualidade de Vida.»
in Jonathon Porritt, Salvemos a Terra (Save The Earth, 1991), trad. Wanda Viegas, Maria Leonor Cecílio, Livraria Civilização Editora, 1992, pp. 10-13.