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fotografia: filipe sousa | 8 maio 2024 |
«…nasci em Itália, em Rimini, a 15 de Junho de 1927.
- Porque nasceu em
Rimini?
-Porque os meus pais se encontravam lá a banhos, em casa da
minha tia Eglantine, irmã de meu pai. Ela casara com um jockey célebre,
originário de Urbino. Nasci perto da praia de Lido di Ravenna – entre Ravena e
Rimini -, num casebre, não na praia propriamente dita.
-Não há nesse casebre
uma placa que assinale o seu nascimento?
-Ouça lá, eu não sou Garibalbi – a mulher dele, Anita,
morreu bem perto desse local. Dez dias depois os meus pais regressaram comigo a
Veneza.»
Hugo Pratt, O Desejo de
Ser Inútil, Memórias e Reflexões (Le Désir D'Être Inutile -
Souvenirs et Refléxions, 1991), trad. António Sabler, Relógio d'Água
Editores, Lisboa, 2005, pp. 17, 21.
«Em direcção a Rimini, Agosto
(…)
Agora começam as praias da minha
infância e da minha adolescência: já não se trata de descobertas, mas de
constatações.
A Riccione ia veranear quando
estava no secundário. Chego: não reconheço quase nada. A nouvelle vague dos banhistas e dos industriais conferiu à praia uma
nova violência, um novo sentido no qual triunfam os jovens de hoje, que de novo
tudo sabem.
A alameda central, com as duas
filas de árvores muito verdes, a sua angústia proto-novecentista, os seus bares
cheios como exércitos em formatura, continua mais ou menos igual, Sento-me a
uma mesa e, após tantos anos sem o fazer, como um gelado.
Antes, quando com uma alegria
interior, comia um gelado todos os dias, tudo aqui era mais absoluto e mais
eterno. Os dias eram longuíssimos, eram entidades dotadas de verdadeiro valor e
verdadeira duração: o período de férias era um período de vida.»
Pier Paolo Pasolini, A longa Estrada de Areia (La Lunga Strada di Sabbia, 1959), trad.
João Coles, Edições do Saguão, Lisboa, 2023, p. 82.