Também conhecido por losna, o absinto (artemisia absinthium) entra na composição da bebida com o mesmo nome, musa inspiradora de escritores, pintores e outros criadores, de Van Gogh e Baudelaire a Rimbaud e Picasso, sem esquecer o nosso Fernando Pessoa.
Mito ou realidade, devam muito, pouco ou nada a literatura, a pintura e as outras artes aos poderes alucinogénios da planta, uma coisa parece evidente: o tema do absinto foi profusamente glosado ao longo dos últimos três séculos e por isso pretexto para criações como as que se seguem, em que as virtudes da fada verde, como era conhecida a bebida pela sua cor marcante, competem com as do ópio, tabaco e vinho tinto.
Mas a ser verdade que Baudelaire, Pessoa e O'Neill estavam com um grãozinho na asa quando escreveram estes poemas, então é caso para dizer: bendito absinto!
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fotografa: filipe sousa | 21 maio 2019 |
LE POISON
Le vin sait revêtir le plus sordide bouge
D'un luxe miraculeux,
Et fait surgir plus d'un portique fabuleux
Dans l'or de sa vapeur rouge,
Comme un soleil couchant dans un ciel nébuleux.
L'opium agrandit ce qui n'a pas de bornes,
Allonge l'illimité,
Approfondit le temps, creuse la volupté,
Et de plaisirs noirs et mornes
Remplit l'âme au delà de sa capacité.
Tout cela ne vaut pas le poison qui découle
De tes yeux, de tes yeux verts,
Lacs où mon âme trembe et se voit à l'envers...
Mes songes viennent en foule
Pour se désaltérer à ces gouffres amers.
Tout cela ne vaut pas le terrible prodige
De ta salive qui mord,
Qui plonge dans l'oubli mon âme sans remords,
Et charriant le vertige,
La roule défaillante aux rives de la mort.
Charles Baudelaire, Les fleurs du mal, 1857.
A PASSAGEM DAS HORAS (a José de Almada Negreiros)
(...) Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo... (...)
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), 1916
BILHETE-POSTAL A ALEXANDRE PINHEIRO TORRES
Absinto-me cansado
na outonalma.
De absinto, no outono,
encharco a alma...
Muito deve a literatura
ao absinto.
Em qualidade, muito mais
que ao tinto...
Ó Alexandre, manda-me absinto
na volta do correio,
que eu já sinto, com tanto tinto,
estancar-se-me o veio...
Alexandre O'Neill, Poemas com endereço, 1962