Venezia / Veneza, Gran Canale, Ponte dell'Accademia

«A artéria central de Veneza é o Grande Canal, e desta incomparável via rápida brotam canais mais pequenos como veias, por onde flui todos os dias o sustento da cidade, como insulina no sistema de um diabético. Diz-se que há 177 canais, num total de 45 quilómetros. Seguem antigos cursos de água e serpenteiam em curvas imprevisíveis pela cidade, ora largos, belos e esplêndidos, ora de uma tortuosidade imprevisível. O Grande Canal tem três quilómetros de comprimento; 60 metros no ponto mais largo e 35 no mais apertado; tem uma profundidade média de dois metros e meio (quatro metros na Ponte do Rialto, segundo a Tabela do Almirantado); e anima-o um tráfego incessante. As outras vias aquáticas de Veneza são de uma importância infinitamente menor - têm uma largura média de três metros e meio e uma profundidade média que equivale à de uma banheira familiar de tamanho generoso.
(...)
Todos os dias, correm para os canais toneladas de porcaria que emprestam aos bairros decrépitos aquele fedor típico - meio de esgoto, meio da pedra em decomposição - que tanto repugna o turista mais enjoado, mas que proporciona ao amante de Veneza um prazer perverso e relutante.
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Olhando de um terraço para os canais quando a maré está baixa, vê-se uma variedade extraordinária de entulho e escombros que a água esconde, brilhando como um falso mistério através do verde-água; e é horrível observar a moleza do leito do canal quando um bate-estacas inicia o seu trabalho.
Os venezianos nunca se deixaram intimidar por este substrato. No século XV, queimavam paus de incenso e enterravam perfumes e especiarias no solo para abafar o mau cheiro: mas ainda há pouco tempo até as famílias mais elegantes se banhavam com regularidade no Grande Canal, e diz-se que havia uma tabuleta junto à Ponte do Rialto avisando severamente os transeuntes de que era «Proibido Cuspir nos Banhistas».»

Jan Morris, Veneza (Venice, 1960), Edições Tinta-da-China, Lisboa, 2009, pp. 161,162,164,165.


fotografia: filipe sousa | julho 2003

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