fotografia: filipe sousa | agosto 2006 |
O último dos caleiros (embora todos os mourenses o sejam por apodo, naturais mas também adoptivos, bem entendido!).
Ó mulher cal braaaanca… Olhem que é cal branca mulheeeer…
«Em tempo de inverno todos os dias o fumeiro do lume era caiado. Quando necessário caiavas os baixinhos e anualmente toda a casa por dentro e também por fora se não estivesses de luto carregado, que até nisso se te manifestava o sentimento. Se a cal ia estando escassa no caqueiro começavas a andar inquieta, suspirando por um caleiro. A vila de Moura detinha o exclusivo do abastecimento de cal branca de grande parte da margem esquerda do Guadiana e um bom número de filhos seus percorriam as povoações no comércio da cal, que transportavam em carros acogulados das famosas pedras, puxados por parelhas de muares mais ou menos estafadas. Assim, não só pelo azeite, mas também pela cal, ficou famosa a notável vila, hoje digna cidade, ao ponto de cá na região os mourenses serem apodados de caleiros quando se pretende com eles fazer ironia.
Aqueles dignos profissionais pareciam todos escolhidos a dedo. Dotados de prodigiosas vozes de tremenda intensidade, embora de alturas e timbres diversos, a letra era sempre a mesma: Ó mulher cal braaaanca... Olhem que é cal branca mulheeeer... . Com esta lenga lenga acordei fulo, muitas vezes, às seis da manhã. Mas elas, afanosas, sobraçando o espartão adequado, lá iam comprar a arroba de cal, pesada na balança romana do vendedor, cuja língua se destravava se lhe chamavam a atenção para a escassez do peso ou para a má qualidade do produto. Brutos que nem caleiros, salvo seja quem não é.»
Bento Caldeira, «Oh Mulher Cal Braaaanca», Memórias de um médico (Clinicando no agro alentejano), Edições Colibri, Lisboa, 1992, pp. 48-49.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.