Odres

fotografia: filipe sousa | 30 agosto 2023

 

















Não posso acreditar. Moras no Alentejo. Trabalhas no Alentejo. E ainda passas férias no Alentejo? E na mesma piscina e paisagem de há quinze anos? Porra, e não te fartas? Se isso não é obsessão, é o quê? No mínimo, uma tremenda falta de imaginação. Ah, e por falar em piscina, livra-te de vires outra vez com essa Fantasia para dois coronéis e uma piscina, do Mário……….esqueci-me do apelido. Era só o que faltava. Não podes variar um bocadinho? Que fixação! Que panca a tua!

«O que mais importava é que a piscina era uma caixa quadrilátera cheia de líquido, que obrigava a múltiplas tarefas, de mão, de química e de motor. Cumprir todos os conformes, ph nos 7,5, cloro a 0,6 g por metro cúbico, algicida q.s., abrilhantador, vigiar a renovação de água, aspiração, filtragem, remoção de folhas, insectos, sementes e pequenos animais afogados, sempre era mais interessante do que andar para ali a encharcar-se, a cansar-se e a fazer figuras. Lencastre andava habitualmente de calções de banho, sem mais nada. Visto de longe, o porte daria uns ares a Pablo Picasso em Mougins, se não tivesse a pele tão escura, o cabelo tão abundante e bigodes brancos voluteados. Também Lencastre considerava o banho de piscina um tremendíssimo frete. Para ele, banhos só de mar e até aos vinte e oito anos. Daí para diante eram partes gagas. Mas gostava de ajudar. Apontava com o dedo o chapinhar duma sardanisca suicida, ou a campanha de escaravelhos que decidira tomar banho e morrer, balanceando-se de gozo nas mansas ondas. Às vezes dizia, com a mão na orelha, «não ouço o filtro, tens a certeza de que o disjuntor não disparou?»».

Mário de Carvalho, Fantasia para dois coronéis e uma piscina, 3ª ed. Editorial Caminho, Lisboa, 2003, pp. 149-150.

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