Venezia / Veneza, Fondamenta S. Giuseppe

fotografia: filipe sousa | 22 junho 2023

 


Dia 10 - Veneza (sestiere di Castello)
Como previsto, o vaporetto fica praticamente vazio após tocar o cais da praça de S. Marcos. Como habitual, repleta de turistas. À procura de uma outra Veneza, prosseguimos viagem na laguna. Uma Veneza menos concorrida e menos sujeita à pressão turística. Uma Veneza onde vivem ainda venezianos em bairros típicos, cultivando as tradições.
Para trás ficou a travessia do Grande Canal, a rua mais bonita do mundo, por entre um desfile de palácios e embarcações. É impressionante como o tráfego flui por mais denso que seja. Para não falar da perícia com que os gondoleiros enfrentam a ondulação causada pela passagem de lanchas a toda a brida.
Entretanto, começa a manobra de atracação do vaporetto no cais de Giardini Publicci, na parte oriental da cidade. Uma Veneza menos monumental mas mais verde e intimista, a apenas duas paragens da praça de São Marcos. À nossa espera está o locatário do alojamento onde passaremos os próximos dias. Recebe-nos em chinelos e camisola de manga cava, a exibir os bíceps desenvolvidos. É veneziano de gema e o seu ar entroncado tanto sugere um pescador da laguna, como um operário do Arsenal ou então um estivador da cidade-satélite de Mestre. Afinal, nem uma coisa nem outra: é emigrante em Inglaterra! Expansivo e prestável, ajuda-nos a transportar as malas até à moradia, no bairro (sestiere) do Castelo, entre os Jardins Públicos, onde tem lugar a Bienal de Arquitectura, e o Arsenal, o mais antigo estaleiro naval do mundo. Durante o caminho, não desperdiça uma oportunidade para nos inquirir sobre a qualidade do seu inglês. Quando entramos em Rio Terrà Forner, tudo se torna ainda mais familiar. Há vizinhos que conversam à soleira da porta sob roupa estendida a toda a largura da rua. Depois de um oratório de feição popular, mantido pelos residentes e em que não falta a imagem de Santo António, a via afunila ainda mais, o que justifica a toponímia: Calle Stretta de Ca’Sarasina. Pouco depois, chegamos ao nosso destino, bem perto de Bragora, onde nasceu Antonio Vivaldi. Coincidência, sugestão ou sonho de uma noite de Verão, em breve somos embalados pelo segundo andamento do concerto “O Verão”, d’ As Quatro Estações, a ecoar no bairro adormecido.

PS. As Quatro Estações foram compostas há precisamente 300 anos pelo veneziano Antonio Vivaldi.

«-Já te aconteceu ver uma cidade que se pareça com esta? - perguntou Kublai a Marco Polo estendendo a mão repleta de anéis para fora do baldaquim da seda do bucentauro imperial, a indicar as pontes em arco sobre os canais, os palácios principescos cujos portais de mármore imergem nas águas, o vaivém das barcas ligeiras que volteiam em ziguezague impelidas por longos remos, as chatas que descarregam cestas de hortaliças nas praças dos mercados, as varandas, os miradouros, as cúpulas, os campanários, os jardins das ilhas que verdejam no pardacento da laguna.» 

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis (Le città invisibili, 1990), trad. José Colaço Barreiros, Editorial Teorema, Lisboa, 2002, p. 89.

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