fotografia: filipe sousa | outubro 2005 |
«Os faróis são também um legado mediterrânico, que é preciso evitar entregar exclusivamente às autoridades administrativas, costeiras ou marítimas. São em geral classificados de acordo com a sua idade e a sua grandeza, com a maneira como são construídos e com os locais em que se situam: molhes, ilhéus, cabos, promontórios. Há também a considerar o modo como o mar os cerca, até que ponto estão isolados, quais as suas ligações com os portos mais próximos, se aspiram a tornar-se portos eles mesmos e, finalmente, para quem, na rota de que navio, lançam os seus feixes luminosos (diz-se, também, num registo sentimental, que a sua luz é pálida, intermitente, nostálgica, etc). Nem pensar em dissertar sobre as razões que levaram certos faroleiros a optar por viver na solidão, iluminando o mar. Aos faróis cabe um lugar respeitável nas cartas marítimas de grande formato, e também os náufragos os não omitem nas suas memórias: os mediterrâneos não brilham pela sua extrema gratidão, embora tanto prometam, e mais ainda quando exprimem os seus agradecimentos (note-se em sua defesa que eles mesmos acreditam em tais promessas no momento em que as fazem). Os faroleiros, que mais se aparentam a monges de antigos mosteiros que a marítimos, não esperam de parte alguma espécie de agradecimento. Às vezes é a eles que se dedica um quadro nas casas dos que perderam um parente próximo no mar: o ex-voto é uma fé popular e pagã, com santuários espalhados pelo Mediterrâneo.»
Predrag Matvejevitch, Breviário Mediterrânico (1987), trad. do francês Pedro Tamen, Quetzal Editores, Lisboa, 2019, p. 52.