Mourão, Rua Dr. Joaquim José de Vasconcelos Gusmão 13

«Paredes ébrias que cambaleiam para leste e oeste do seu verdadeiro centro de gravidade.»

Lawrence Durrell, Justine - Quarteto de Alexandria 1 (Justine, 1957), trad. Daniel Gonçalves, Editora Ulisseia, 1992, p. 22. 

fotografia: filipe sousa |16 novembro 2016

Mediterrâneo, Estreito de Bonifácio

«La maggior valle in che l'acqua si spanda».
«O maior val' por onde a água se expanda».

Dante Alighieri, A Divina Comédia (La Divina Commedia, sec. XIV)Parte III - Paraíso, Canto IX, verso 82trad. Vasco Graça Moura, 6ª ed, Bertrand Editora, Chiado, 2002, pp. 668-669. 

fotografia: filipe sousa | 1 outubro 2005

Safara, Rua da Fonte Nova 3

CADEIRA

Puxa uma cadeira e senta-te no chão.

Do chão, olha a cadeira:
pernas - assento - espaldar.

Olha, depois:

As pernas - sem o assento, sem o espaldar.
O assento - sem o espaldar, sem as pernas.
O espaldar - sem as pernas, sem o assento.

Depois:

As pernas com o assento - sem o espaldar.
O assento com o espaldar - sem as pernas.
O espaldar com as pernas - sem o assento.

Depois:

As pernas - sem o assento - com o espaldar.
O assento - sem o espaldar - com as pernas.
O espaldar - sem as pernas - com o assento.

Depois:

As pernas com o assento, com o espaldar.
O assento com o espaldar, com as pernas.
O espaldar com as pernas, com o assento.

Depois:

As pernas - sem as pernas, sem o assento, sem o espaldar.

Etc.

Por fim (ou recomeço)
levanta-te e diz, com os botões que te restarem:

-É A CADEIRA.

Alexandre O'Neill, Poesias Completas (A Saca de Orelhas, 1975), 3ª ed., Assírio & Alvim, Lisboa, 2002, p. 393.

fotografia: filipe sousa | setembro 1998

Roskilde, Vindeboder 12

Antes de rumar ao norte da Sjaelland (Zelândia), impunha-se uma paragem em Roskilde, a escassos trinta quilómetros a oeste de Copenhaga. O Vikingeskibsmuseet (Museu dos Barcos Vikings) justificava, e de que maneira, o desvio. Nessa altura, em 2001, em que investigava sobre as origens e o processo construtivo do Barco de Tábuas do Guadiana, a visita era uma oportunidade, caída dos céus, para consolidar algumas ideias sobre o tema. Acima de tudo, o que encontrei foi um museu didáctico, funcional, bonito e vivo!
No exterior, à beira de água, um vasto estaleiro acolhia uma dezena de réplicas fiéis de embarcações, em construção e prontas a navegar. Usadas em passeios turísticos ao largo do fiorde, ajudam à recriação da saga e dos feitos vikings, sobretudo no período áureo da Alta Idade Média, em regiões tão longínquas do hemisfério norte como as que fazem parte da América do Norte, da Europa de Leste, da Ásia Central ou do Mediterrâneo ocidental. 
Dentro do museu, algumas jóias da coroa, como o elegante Gokstad, do século XI, que se deslocava com recurso a trinta e dois remadores, além de velas quadrangulares. Da colecção fazem ainda parte outros exemplares originais de barcos nórdicos e vikings, a maior parte encontrada submersa no fiorde de Roskilde. Basicamente, carcaças reconstruídas de embarcações de carga, transporte de pessoas, especialmente guerreiros, e usadas em rituais fúnebres. 
Em todos estes exemplares, um denominador comum salta à vista, no que ao princípio de construção diz respeito. Como viemos confirmar, na tradição construtiva de origem viking ou norte-europeia, o forro  exterior do casco da embarcação é montado anteriormente à armação do cavername (princípio "shell-first"), com a particularidade de ser imbricado ou construído em trincado, isto é, formado por tábuas que se sobrepõem como escamas ou telhas. De referir que o barco rabelo é provavelmente o mais conhecido  representante luso desta Escola de construção naval, reflexo dos contactos antigos entre o norte da Europa e o norte do País. Em contraste com a tradição construtiva ibero-atlântica e do mediterrâneo ocidental, que assenta no papel determinante do cavername ou "esqueleto" na coesão e solidez da estrutura do casco da embarcação, sendo o tabuado levantado posteriormente (princípio "skeleton-first"), de que são exemplos a caravela portuguesa e também, a continuação da investigação ajudaria a corroborar a teoria, o barco de tábuas do Guadiana. 
Recomenda-se uma visita virtual ao museu, que este ano comemora meio século de existência, em https://www.vikingeskibsmuseet.dk/andre-sprog/portugues/


fotografia: filipe sousa | agosto 2001 

Moura, Praça Gago Coutinho 3

«-Conheço treze maneiras de contar a minha vida. Hoje, escolho a sétima, por amor ao número sete, que é também o do gato: o gato tem sete vidas, e para conhecer a sétima tem pois que morrer seis vidas. Há quem diga que os gatos têm nove vidas, mas a versão segundo a qual eles têm sete parece-me superior, porque se trata de um número cabalístico: o das sete portas, das sete chaves, cuja última abre o paraíso terrestre.»

Hugo Pratt, O Desejo de Ser Inútil, Memórias e Reflexões (Le Désir D'Être Inutile - Souvenirs et Refléxions, 1991), trad. António Sabler, Relógio d'Água Editores, Lisboa, 2005, p.17.  

fotografia: pedro sousa | 27 setembro 2015

Algures entre Sobral da Adiça e Rosal de La Frontera

«Ocorreu-lhe  que um passeio pelo campo era uma espécie de resumo da própria passagem pela vida. Nunca se tem tempo para saborear os pormenores; diz-se: outro dia, mas sempre com a convicção oculta de que cada dia é único e final, de que nunca haverá regresso, de que nunca haverá outra vez.»
«A partir de um certo ponto já não há regresso. É esse o ponto que deve ser alcançado.» Kafka (subtítulo do Livro Terceiro).

Paul Bowles, O céu que nos protege (The sheltering sky, 1949), trad. José Agostinho Baptista, Assírio &  Alvim, Lisboa, pp. 133, 265.

fotografia: filipe sousa | 1 maio 2018

Siena, Piazza del Campo

Cheguei a Siena ao fim da tarde, vindo de Roma, depois de atravessar de comboio as belas paisagens da Toscânia. Entrei pela Porta Ovile, a tempo de ver a cidade com luz natural e de captar, num desenho, a Piazza del Campo, aquela que Montaigne descreveu, no século XVI, como «la più bella che si vedda in nissuna altra città». Tinha acabado de acontecer o Palio e, por isso, as ruas vestiam-se de estandartes, com diagonais em azul e amarelo, do bairro vencedor: a contrada della Tartuca (tartaruga). Depois do desenho, desloquei-me ao extremo sul da cidade, ao reduto da Tartuca, para sentir o coração dos festejos que ainda pulsava em desfiles espontâneos de tamborileiros trajados a preceito com as cores do bairro. Acabei também eu a festejar a proeza, já à porta do Oratório da Tartuca, depois de saber que aquela era a igreja do patrono Sant'Antonio di Padova. Esse mesmo, Fernando de Bulhões, o nosso Santo António de Lisboa.   

desenho: filipe sousa | 6 julho 2009



























«Parece que, nessa ocasião, no século XVI, a Piazza del Campo - em forma de concha, cercada de soberbos palácios, com muitas ruas desembocando por todos os lados, e a solitária Torre de Mangia varando o tempo, - ainda servia de arena para touradas. E os habitantes de Siena cercavam-na, com seus carros de fantasia, enfeitados com efígies de animais, como numa parada totêmica.
Mais tarde, sendo os touros considerados perigosos, substituiu-se o espétaculo pelas corridas de búfalos, que deviam dar três voltas à praça, enquanto os habitantes de Siena, - divididos primeiro em três bairros, e, depois, em dezessete, - desenrolavam em redor uma espécie de coreografia, com os seus carros alegóricos, ao som de músicas e cânticos. O prêmio era um rico estandarte de brocado, o pálio, conferido ao bairro ou contrada a que pertencesse o búfalo vencedor.
Finalmente, os búfalos também desapareceram, e as corridas de cavalos, que se realizavam noutros lugares, passaram a ter como pista essa belíssima praça, que tanta admiração despertou em Montaigne.»

Cecília Meireles, «Da ruiva Siena» in Crônicas de viagem 2 (1953), reimpr. editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999, p.55.

PS. O Palio de 2 de julho de 2009: https://www.ilpalio.siena.it/5/Palio/200907020

Anemzi

Antes do almoço, matámos o tempo a conhecer Anemzi. Nos recantos ensolarados, conviviam grupos de homens embiocados em djellabas tradicionais. Conversando apenas, enquanto se aqueciam ao sol, ou entregues a outras ocupações, como jogar às damas.

Filipe Sousa, Alto Atlas Oriental: no coração de Marrocos (diário de viagem), 1993.

fotografia: filipe sousa | dezembro 1993 

Torino / Turim, Via Montebelllo 20

Originalmente projectada para ser uma sinagoga, a Mole Antonelliana, construída entre 1863 e 1897, acabou por ser transformada em Museu do Risorgimento, tornando-se um símbolo da unidade italiana, além de símbolo de Turim. Actualmente, é a sede do Museo Nazionale del Cinema. 

fotografia: filipe sousa | 10 abril 2018


Noudar

«De moura a noudall sam seis legoas e antre hua villa e a outra se metem tres ribeyras a hua ha nome çafarenha e a outra murtiguam e outra que core pollo per da dita villa de noudall que se chama murtiga camynho he bõo e chaão de moura ate hua aldea que se chama çafara que saam tres legoas e de a noudall as outras tres muy fragosas em grande estremo.» 

Duarte d'Armas, Tavoada das fortalezas do estremo de portugall e castella (Livro das Fortalezas), 1509-1510.   


fotografia: filipe sousa | 9 abril 2011

Venezia / Veneza, Piazza San Marco

«O Sol ainda ia alto no céu quando ia juntar-me à minha mãe na Piazzetta. Chamávamos uma gôndola. «Como a pobre avó teria gostado desta grandeza tão simples!», dizia-me a minha mãe apontando para o palácio ducal que encarava o mar com a ideia que o seu arquitecto  lhe confiara e que ele guardava fielmente na muda espera dos doges desaparecidos. «Ela teria até gostado da suavidade daquelas colorações rosadas, porque não tem qualquer sentimentalismo. Como a tua avó teria gostado de Veneza, e que familiaridade que pode rivalizar com a da natureza ela haveria de achar em todas estas belezas, tão cheias de coisas que não precisam de qualquer arranjo, que se apresentam tais quais são - o palácio ducal na sua forma cúbica, as colunas que tu dizes serem as do palácio de Herodes, em plena Piazzetta - e que menos ainda estão arrumadas, que estão ali postas como que à falta de outro lugar - os pilares de São João de Acre, e aqueles cavalos na varanda de São Marcos! Que prazer a tua avó teria sentido ao ver este Sol a pôr-se sobre o palácio dos doges como sobre um monte.»»

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - A Fugitiva (Albertine Desaparecida) (À la Recherche du Temps Perdu - La Fugitive (Albertine disparue), 1925), trad. Pedro Tamen, Relógio d'Água, Lisboa, 2004, p. 218.


«E a gôndola atraca. Mastros pintados  de vermelho e branco, à beira d'água. Palácios que são hotéis. Hotéis que estão cheios de flores. A janela sobre as águas. Os canais que se fundem uns nos outros e mudam de nome...Gôndolas e vaporetti que partem para o Lido cosmopolita, para Murano, paraíso do vidro...
Ao lado, a Piazzeta, com o palácio dos Doges, soleníssimo, - a Biblioteca e a Casa da Moeda, que imortalizam Sansovino. As colunas com o leão e São Teodoro. E logo a praça, onde a Basílica de São Marcos fulgura, com seus zimbórios, como um prato de ouro com opulentos frutos exóticos. (...)
Do alto do Campanile, veremos a cidade líquida - Veneza reclinada em almofadas d'água, com os cabelos d'água descendo até os pés, e as rendeiras a tecerem vestidos d'água, e os vidros soprados d'água como bolhas de cristal, búzios, sereias...».

Cecília Meireles, «Cidade líquida» in Crônicas de viagem 2 (1953), reimpr. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999, pp. 80, 82.    


aguarela: filipe sousa | julho 2003















Luz

«Fui músico e sapateiro, / Sou poeta e hortelão. / Ervanário a tempo inteiro. / E de damas campeão.» José António Salgueiro (mestre Salgueiro).

fotografia: filipe sousa | junho 2016

Sevilla / Sevilha, La Giralda

«Esta almenara que sobrepassa os expositores e cuja novidade deixa atrás os historiadores das almenaras de todas as mesquitas do Andaluz, pela altura da sua mole, o cimento da sua base, a solidez da sua obra de ladrilho, o extraordinário da sua arte e o admirável da sua vista, que se eleva no ar e se alça no céu, parecendo ao que a olha de várias jornadas de Sevilha que está entre as estrelas do Zodíaco.
Mandou-a construir o emir Almumine Abú Iacube, filho do emir Almumine, quando chegou a Sevilha para a sua campanha contra Santarém a 13 de Safar do ano 580 (26 de Maio de 1184). Acampou na Buhaira fora de Sevilha, no Misar de Mailin.»

Abú Maruane ibne Sáhibe Açalá (de Beja), sobre a construção da almenara da mesquita de Sevilha (Torre da Giralda), in António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe - vol. 1 Geografia e Cultura, 2ª ed., Editorial Caminho, Lisboa, 1989, p. 206. 

fotografia: filipe sousa | 9 abril 2013

Roma, Piazza della Rotonda

«A construção de um templo a Todos os Deuses, de um Panteão, tinha-se-me imposto. Tinha-lhe escolhido a situação sobre as ruínas de antigos banhos públicos oferecidos ao povo romano por Agripa, o genro de Augusto. Do velho edifício nada mais restava do que um pórtico e a placa de mármore com uma dedicatória ao povo de Roma: foi cuidadosamente colocada, tal como estava, no frontão do novo templo. Importava-me pouco que o meu nome figurasse neste monumento, que era uma ideia minha. Pelo contrário, agradava-me que uma inscrição velha de mais de um século a associasse ao início do império, ao reino pacificado de Augusto. Mesmo quando inovava gostava de sentir-me, antes de tudo, um continuador.»

Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (1974), trad. Maria Lamas, 3ª ed., Editora Ulisseia, Lisboa, 1984, p. 142.

desenho: filipe sousa | julho 2015

Ilha de S. Miguel, Lagoa do Fogo

«Um céu de algodão sujo tolda o arquipélago das nove ilhas; o "mormaço" apaga os contornos do mar e da terra, e, amolecendo os pastos à custa da pele do proprietário e do pastor, dilui e arrasta as vontades, dá a homens e a coisas uma doença quase de alma, a que os ingleses, médicos do bem-estar, puseram uma etiqueta como quem descobre uma planta nova neste mundo seco e velho: azorean torpor

Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944), reimpressão, INCM, Lisboa, 1995, pp. 325-326.

fotografia: filipe sousa | 23 julho 2016


Taarart

Avistámos Taarart, empoleirada numa suave colina, uma hora depois de deixarmos a vizinha aldeia de Massou. Mais abaixo, um bando de crianças jogava futebol num descampado verde, na zona mais plana do vale. Até darem por nós. A partir daí não mais nos largaram. Uma delas, que falava francês, convidou-nos a entrar na aldeia, onde nos esperavam os olhares curiosos dos adultos residentes: os homens bem expostos, em primeiro plano; as poucas mulheres, meio escondidas, atrás. Acabámos na venda do sítio, que se revelou acanhada para receber a gaiatada eufórica. Oferecemos uma rodada do que havia para beber: Coca-Cola, a «implacável coca-cola», que, como refere Orlando Ribeiro, no seu Mediterrâneo, «entra em todos os ambientes onde, por motivos religiosos, se proíbe ou dificulta o consumo de bebidas alcoólicas».

Filipe Sousa, Alto Atlas Oriental: no coração de Marrocos (diário de viagem), 1993.

fotografia: filipe sousa | dezembro 1993 

Vaticano, cúpula da Basílica de S. Pedro

«Subimos à cúpula e avistámos toda a região ensoleirada dos Apeninos, o monte Soracte, a seguir a Tivoli as colinas vulcânicas, Frascati, Castel Gandolfo e a Campagna, e ao fundo o mar. Mais próxima de nós, a cidade de Roma em toda a sua extensão, com os seus palácios nas colinas, cúpulas, etc. O ar estava parado, e no lanternim de cobre fazia calor como numa estufa.» Roma, 22 de Novembro de 1786, dia de Santa Cecília.

J.W.Goethe, Viagem a Itália (Italienische Reise, 1786-1787), trad. João Barrento, Relógio d'Água Editores, Lisboa, pp. 172-173.

fotografia: filipe sousa | 26 junho 2015

Barcelona, El Raval

Gosto especialmente de passear no Raval, o mais multi-étnico dos bairros de Barcelona. Avulta a comunidade de paquistaneses, o que justifica os epítetos de «Ravalquistão» ou «pequena Islamabad». Vitalidade e vanguardismo espreitam a cada esquina, em restaurantes, bares, lojas comerciais, galerias e ateliês de arte. Mais cedo ou mais tarde, as visitas inevitáveis ao MACBA - Museu de Arte Contemporânea, ao CCCB - Centro de Cultura Contemporânea ou à Biblioteca da Catalunha. Cultura é também beber um copo no mítico London Bar, por onde passaram Picasso, Dalí, Gaudí ou Hemingway. 


fotografia: filipe sousa | junho 2017

Berlin / Berlim, Haupstrasse 155

David Bowie viveu neste edifício, no bairro de Schoneberg, em Berlim, de 1976 a 1978. Período em que gravou os álbuns Low, Heroes e Lodger, que entraram para a história da música como a Trilogia de Berlim.
Bowie partiu há três anos (8.1.1947 / 10.1.2016); o seu legado está mais vivo do que nunca. 
«Look up here, I'm in heaven» 
«We can be heroes, just for one day.» 

PS. Bowie propõe-nos uma viagem por Berlim, com passagens pelo apartamento da Haupstrasse, no vídeo do tema «Where are we now?», do álbum The Next Day (2013).
https://www.youtube.com/watch?v=QWtsV50_-p4

fotografia: clara lourenço | junho 2018

Tounfite

Há vinte e cinco anos, por esta altura, eu, a Clara Lourenço e o Pedro Cid cruzávamos a pé a região oriental do Alto Atlas. Uma centena de quilómetros em sete dias de viagem, com partida e chegada a Tounfite. Às vezes, acompanhados por um burro que nos transportava as mochilas e pelo burriqueiro berbere que se nos dirigia em tamazight. Minúsculos pontos em movimento numa paisagem de montanhas avassaladoras e vales encaixados, de planaltos e desfiladeiros, semeada de pedras e arbustos retorcidos, que antecede as miragens do grande deserto. Ao fim do dia, reganhávamos forças em aldeias de terra crua da cor das colinas, confraternizando com os habitantes e pernoitando nas suas casas. 

Filipe Sousa, Alto Atlas Oriental: no coração de Marrocos (diário de viagem), 1993.


diário de viagem/desenho: filipe sousa | dezembro 1993 / janeiro 1994

Algures entre Tagoudit e Massou

-Nesta região, há coisas misteriosas...mas diz-me...para onde vais agora? - Cush
-Não sei Cush...para longe... - Corto Maltese

Hugo Pratt, «...os outros Romeus e Julietas» in As Etiópicas, 1972-1973



fotografia: filipe sousa | alto atlas oriental, dezembro 1993