Venezia / Veneza, Piazza San Marco

«O Sol ainda ia alto no céu quando ia juntar-me à minha mãe na Piazzetta. Chamávamos uma gôndola. «Como a pobre avó teria gostado desta grandeza tão simples!», dizia-me a minha mãe apontando para o palácio ducal que encarava o mar com a ideia que o seu arquitecto  lhe confiara e que ele guardava fielmente na muda espera dos doges desaparecidos. «Ela teria até gostado da suavidade daquelas colorações rosadas, porque não tem qualquer sentimentalismo. Como a tua avó teria gostado de Veneza, e que familiaridade que pode rivalizar com a da natureza ela haveria de achar em todas estas belezas, tão cheias de coisas que não precisam de qualquer arranjo, que se apresentam tais quais são - o palácio ducal na sua forma cúbica, as colunas que tu dizes serem as do palácio de Herodes, em plena Piazzetta - e que menos ainda estão arrumadas, que estão ali postas como que à falta de outro lugar - os pilares de São João de Acre, e aqueles cavalos na varanda de São Marcos! Que prazer a tua avó teria sentido ao ver este Sol a pôr-se sobre o palácio dos doges como sobre um monte.»»

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido - A Fugitiva (Albertine Desaparecida) (À la Recherche du Temps Perdu - La Fugitive (Albertine disparue), 1925), trad. Pedro Tamen, Relógio d'Água, Lisboa, 2004, p. 218.


«E a gôndola atraca. Mastros pintados  de vermelho e branco, à beira d'água. Palácios que são hotéis. Hotéis que estão cheios de flores. A janela sobre as águas. Os canais que se fundem uns nos outros e mudam de nome...Gôndolas e vaporetti que partem para o Lido cosmopolita, para Murano, paraíso do vidro...
Ao lado, a Piazzeta, com o palácio dos Doges, soleníssimo, - a Biblioteca e a Casa da Moeda, que imortalizam Sansovino. As colunas com o leão e São Teodoro. E logo a praça, onde a Basílica de São Marcos fulgura, com seus zimbórios, como um prato de ouro com opulentos frutos exóticos. (...)
Do alto do Campanile, veremos a cidade líquida - Veneza reclinada em almofadas d'água, com os cabelos d'água descendo até os pés, e as rendeiras a tecerem vestidos d'água, e os vidros soprados d'água como bolhas de cristal, búzios, sereias...».

Cecília Meireles, «Cidade líquida» in Crônicas de viagem 2 (1953), reimpr. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999, pp. 80, 82.    


aguarela: filipe sousa | julho 2003















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