Paris, Place des Vosges

fotografia: filipe sousa | 18 fevereiro 2022

 

















Paris, teremos-sempre-Paris.

«O Sena passa espesso, cor de chumbo, da cor do céu. Notre Dame como um grande mamífero branco cheio de gárgulas.
Volto costas, meto para dentro.
Saint-Louis são três ruas e eu tenho de andar para não morrer do coração.
(...)
Um, respirar. Dois, abrir os olhos. Cá estão os parisienses no seu frufru de petit-quois. Compram baguetes com mãos enluvadas e cachecóis de caxemira. Já cá estavam antes, cá estarão depois.
(...)
Volto à beira-rio, com o meu saco de viagem. É aquela hora em que o dia muda para a noite. O céu está cheio de silhuetas. Tenho a cara gelada, lábios de morta. Mais um minuto e morro disto.
Mas vais aparecer nas minhas costas.
Aqui estás.
(...)
...damos a volta ao clarão fantasmagórico de Notre Dame, e paramos de queixo levantado para a fachada, como se fosse a lua.
As noites de inverno têm a aura das coisas fechadas sobre si. Uma noite assim é para nós.
(...)
Dois anos e meio depois - no verão depois de teres desaparecido  -, fui a Paris fazer uma entrevista.
Quando me vi livre, caminhei até ao Jardim das Tulherias. O sol estava a um palmo de se pôr. Árvores em recorte negro, a grande roda muito lenta, o lago com patos e repuxos, sabrinas na gravilha, japonesas com indianos, carrinhos de bebés, uma barraquinha artisan glacier, gelados morango-menta, um homem de cabelos brancos e olhos fechados, mãos cruzadas no colo.
Pensei em Proust e na Condessa de Ségur. Pensei viver em Paris, cadeirinhas reclinadas ao poente como diante do mar, tantas coisas para fazer em Paris, e para não fazer.
(...)
Antes mesmo de entrar no quarto, gosto muito que este hotel só possa ser em Paris, a ranger e a afundar desde Victor Hugo.
(...)
Andamos por Paris. Passamos a ponte para Notre Dame e daí para o Marais. Vagueamos ao longo das arcadas da Place des Vosges onde Marjane Satrapi teve um ateliê. Eu falo-te do Persépolis e tu falas-me de Fela Kuti e do filho, Femi. Ouviste-o na Nigéria.
É bom dar as mãos neste frio. É bom andar abraçado neste frio. Paris, teremos-sempre-Paris.»

Alexandra Lucas Coelho, E a noite roda, Edições Tinta-da-China, Lisboa, 2014, pp. 75, 76, 78, 80, 82.

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