Venezia / Veneza

fotografia: filipe sousa | julho 2003

A primeira vez de Goethe em Veneza, neste dia 28 de Setembro, há 235 anos.

«Estava, pois, escrito na minha folha do livro do destino que no dia 28 de Setembro de 1786, às cinco da tarde pela nossa hora, eu veria pela primeira vez Veneza, entrando nas lagunas pelo Brenta, e pouco depois poria pé e olhos nesta maravilhosa cidade insular, nesta república de castores. E assim, Deus seja louvado, Veneza deixa de ser para mim mais uma palavra apenas, um nome oco que tantas vezes me assustou, a mim, o inimigo fidagal dos invólucros sonoros das palavras.
Quando a primeira gôndola se aproximou do nosso barco (fazem isso para transportar rapidamente para Veneza os passageiros que têm pressa), lembrei-me de um brinquedo antigo em que já não pensava há cerca de vinte anos. O meu pai tinha um belo modelo de gôndola, que trouxera da sua viagem: estimava-o muito, e para mim era uma grande honra o poder brincar com ele. Os primeiros bicos de chapa de ferro brilhante, as cabines pretas, tudo me recebia e saudava com se de velhos conhecimentos se tratasse, e eu deliciei-me com esta amável reminiscência da juventude, durante tanto tempo ausente.
Estou bem alojado na «Rainha de Inglaterra», não muito longe da Praça de S. Marcos, e esta é a grande vantagem deste alojamento; as minhas janelas dão para um canal estreito entre casa altas, mesmo por baixo fica uma ponte de um arco e em frente uma viela estreita e muito animada. É aqui que vivo, e aqui ficarei por algum tempo, até que a minha encomenda para a Alemanha fique pronta e eu me tenha saciado da sede de ver esta cidade. A solidão por que tantas vezes tinha ansiado, posso desfrutá-la plenamente agora; pois nunca nos sentimos tão solitários como entre a multidão, no meio da qual podemos andar incógnitos. Em Veneza talvez só uma pessoa me conheça, e tão depressa não é natural que me encontre.»

J.W.Goethe, Viagem a Itália (Italienische Reise, 1786-1787), trad. João Barrento, Relógio d'Água Editores, Lisboa, pp. 78-79.

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