Mosteiros

fotografia: filipe sousa | 21 juho 2016






























O Purgatório é uma ilha.

«As ilhas não são apenas ilhas, pois não? Quero eu dizer, não são apenas pedaços de terra rodeados de água, significam também algo menos tangível, sempre semidesejado. Quando avistamos uma ilha, parte de nós quer sempre ir para lá, não achas? Não consigo deixar de pensar que tem qualquer coisa a ver com uma resolução súbita. Ali estamos nós, a esbracejar no meio de toda aquela água turbilhonante, sem um ponto de referência, com horrores invisíveis que só podemos imaginar a rondar-nos abaixo da superfície, e de súbito aparece uma ilha no horizonte: um abençoado ponto fixo, um lugar de libertação, há tanto tempo desejada, da ansiedade que a desordem e a futilidade nos provocam, para não falar dos monstros que se escondem no nosso subconsciente. Por isso, qualquer ilha, mesmo a mais lisa ou rochosa, ou a mais árida, parece bela. É o eu que gostaríamos de ser. Dante, claro, se bem te lembras, diz que o Purgatório é uma ilha - o Inferno é nas profundezas da Terra e do Paraíso para lá do tempo e do espaço, mas o Purgatório, a região dos que não pecaram conscientemente, é uma ilha. Ali, a razão tem ainda alguma esperança de tornar-se visão.»

Robert Dessaix, Cartas de Veneza (Night Letters, 1996), trad. Mário Dias Correia, Gótica, Lisboa, 2002, p. 79.

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