fotografia: filipe sousa | 25 junho 2015 |
«À noite, a arquitectura cedia lugar à música, essa construção invisível. Pratiquei mais ou menos todas as artes, mas a dos sons é a única em que me tenho constantemente exercitado e em que me reconheço uma certa excelência. Em Roma dissimulava esse gosto, mas em Atenas podia entregar-me a ele à vontade. Os músicos juntavam-se no pátio onde estava plantado um cipreste, junto de uma estátua de Hermes. Seis ou sete apenas: uma orquestra de flautas e de liras, à qual se juntava por vezes um virtuoso com uma cítara. A maior parte das vezes eu tocava a grande flauta travessa. Tocávamos árias antigas, quase esquecidas, e também melodias novas compostas por mim. Gostava da austeridade viril das árias dórias, mas não detestava as melodias voluptuosas ou apaixonadas, as suspensões patéticas ou sábias, que as pessoas graves, cuja virtude consiste em tudo temer, rejeitam como perturbantes para os sentidos ou para o coração. Avistava por entre as cordas o perfil do meu jovem companheiro, sensatamente ocupado a desempenhar a sua parte no conjunto, e os seus dedos tocando com cuidado ao longo dos fios esticados.»
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (Mémoires d'Hadrien, 1951), trad. Maria Lamas, 3ª ed., Editora Ulisseia, 1984, p. 136.
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