«Faustino diz:
-Pode ser que chova.
Todos levantamos a cara e olhamos uma nuvem negra e pesada que passa por cima das nossas cabeças. E pensamos: «Pode ser que sim.»
Não dizemos o que pensamos. Há bastante tempo que se nos acabou a vontade de falar. Acabou-se com o calor. Uma pessoa conversaria com muito gosto noutro sítio, mas aqui dá muito trabalho. Uma pessoa põe-se a conversar aqui e as palavras aquecem na boca com o calor de lá de fora, e secam-se-nos na língua até nos deixarem sem fôlego.
Aqui as coisas são assim. Por isso a ninguém lhe dá para conversar.
Cai uma gota de água, grande, gorda, fazendo um buraco na terra e deixando um empaste como de uma cuspidela. Cai sozinha. Nós esperamos que continuem a cair mais. Não chove. Agora, se olharmos para o céu, vê-se a nuvem aguaceira correndo para bem longe, cheia de pressa. O vento que vem da aldeia arrima-se-lhe empurrando-a contra as sombras azuis dos cerros. E a gota caída por engano é comida pela terra, que a faz desaparecer na sua sede.
Quem diabo terá feito esta planície tão grande? Para que é que serve, hã?»
Juan Rulfo, "Deram-nos a terra" in A Planície em Chamas (El llano em llamas, 1953), trad. Ana Santos, Cavalo de Ferro Editores, Lisboa, 2003, p. 12.
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fotografia: filipe sousa | 23 abril 2017 |