fotografia: fiipe sousa | julho 2003 |
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E é por esta razão que é conveniente ler os escritores clássicos na íntegra, em vez de nos contentarmos com excertos escolhidos. As páginas ilustres dos escritores são muitas vezes aquelas em que esta contextura íntima da sua linguagem está dissimulada pela beleza, com um carácter quase universal, do excerto. Não creio que a essência particular de Gluck se faça sentir numa determinada ária sublime do mesmo modo que numa determinada cadência dos recitativos onde a harmonia é como que o próprio som da voz do seu génio quando recai sobre uma entoação involuntária onde está marcada toda a sua gravidade ingénua e a sua distinção, sempre que a ouvimos por assim dizer tomar fôlego. Quem já viu fotografias da Praça de São Marcos em Veneza pode julgar (e só estou a falar do exterior do monumento) que tem uma ideia dessa igreja de cúpulas, quando é apenas ao aproximarmo-nos, quase a podermos tocá-las com a mão, do pano matizado das colunas sorridentes, é apenas ao vermos o poder estranho e grave que enrola as folhas onde se empoleiram os pássaros nesses capitéis que só podemos distinguir de perto, é apenas ao termos sobre a própria praça a impressão desse monumento baixo, a todo o comprimento da fachada, com os mastros floridos e a sua decoração festiva, o seu ar de "palácio de exposição", que sentimos brotar, nesses traços significativos mas acessórios e que nenhuma fotografia retém, a sua verdadeira e complexa individualidade.»
Marcel Proust, O Prazer da Leitura (Journées de Lecture, 1906), trad. Magda Bigotte de Figueiredo, Editorial Teorema, Lisboa, pp. 61-62, 77-78.
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