(...) aprendi a suportar os Jogos em que não vira, até então, senão feroz esbanjamento. A minha opinião não mudara: detestava aqueles massacres em que a fera não tem uma probabilidade; no entanto, ia percebendo pouco a pouco o seu valor ritual, os seus efeitos de trágica purificação sobre a multidão inculta; queria que o esplendor das festas igualasse o de Trajano, com mais arte e mais ordem todavia. Impus a mim mesmo apreciar a rigorosa esgrima dos gladiadores, com a condição, porém, de que ninguém fosse forçado a exercer aquela profissão contra sua vontade. Aprendi, do alto da tribuna do Circo, a parlamentar com a multidão através da voz dos arautos, a não lhe impor silêncio senão com uma deferência que ela me retribuía a centuplicar, a não lhe conceder coisa alguma que ela não tivesse o direito de esperar, a não recusar nada sem explicar o motivo da minha recusa. Não levava, como tu, os meus livros para a tribuna imperial: aparentar desdém pelas alegrias dos outros é insultá-los. Se o espectáculo me aborrecia, o esforço de suportar era para mim um exercício mais valioso que a leitura de Epicteto.»
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (Mémoires d'Hadrien, 1951), trad. Maria Lamas, 3ª ed., Editora Ulisseia, 1984, pp. 60, 93.
fotografia: filipe sousa | 9 julho 2009 |
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