As paredes são a memória dela. Arranhem um pouco uma pedra, apurem o ouvido e ouvirão muita coisa! O tempo junta o que traz o dia e o que dispersa a noite. Ele guarda e retém. A testemunha é a pedra. O estado da pedra. Cada pedra é uma página escrita, lida e riscada. Tudo se mantém nos grãos da terra. Uma história. Uma casa. Um livro. Um deserto. Uma errância. O arrependimento e o perdão. Sabiam que perdoar é esconder? Não tenho nem glória nem esplendor para me transportarem até aos céus. Esqueci as cinco orações. Pensava que a fonte de onde tirava as minhas histórias nunca se esgotava. Como o oceano. Como as nuvens que se seguem umas às outras se alteram mas que dão sempre chuva. Procuro o perdão. Quem ousaria conceder-me este esquecimento? Disseram-me que um poeta anónimo que se tornou santo das areias que envolvem e dissimulam poderia ajudar-me. Parti. Despojei-me de tudo e segui a caravana a pé. Abandonei tudo. Vesti-me de lã e tomei o caminho do Sul sem me voltar.»
Tahar Ben Jelloun, A Criança de Areia (L'enfant de sable, 1985), trad. Maria Teresa Brito, Editorial Estampa, Lisboa, 1989, pp. 193-194.
fotografia: filipe sousa | dezembro 1993 |
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