Genova / Génova

«Estamos no primeiro dia de Janeiro do ano de mil seiscentos e sessenta e sete.
O ano chamado "da Besta" terminou, mas o sol ergue-se sobre a minha cidade de Génova. No seio dela nasci há mil anos, há quarenta anos, e de novo neste dia.
Desde o alvorecer que estou alegre, e tenho vontade de olhar o sol de lhe falar como Francisco de Assis. Deveríamos alegrar-nos sempre que ele começa a iluminar-nos, mas hoje os homens têm vergonha de falar com o sol.
Assim, ele não se apagou, nem os outros corpos celestes. Se não os vi a noite passada, foi porque o céu estava encoberto. Amanhã, ou daqui por duas noites, hei-de vê-los, e não precisarei de contá-los. Eles estão lá, o céu não se apagou, as cidades não estão destruídas, nem Génova, nem Londres, nem Moscovo, nem Nápoles. Deveremos viver ainda rente ao chão com as nossas misérias de homens. Com a peste e as vertigens, com a guerra e os naufrágios, com os nossos amores, com as nossa feridas. Nenhum cataclismo divino, nenhum dilúvio virá afogar medos e traições.
É possível que o Céu não nos tenha prometido nada. Nem o melhor nem o pior. É possível que o Céu viva apenas ao ritmo das nossas próprias promessas.» 

Amin Maalouf, O Périplo de Baldassare (Le Périple de Baldassare, 2000), trad. António Pescada, 3ª ed., Difel, Algés, 2001, p. 401.


fotografia: filipe sousa | julho 2004


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