Faz agora cinquenta anos o abalo sísmico que sacudiu Portugal, de norte a sul, no dia 28 de Fevereiro de 1969, de que guardo, provavelmente, a mais longínqua das memórias. Bastou para infundir medo e colocar-nos à prova, pouco mais do que isso, nada comparável à catástrofe de 1755, a julgar pelos testemunhos dos que lhe sobreviveram. Seja como for, não estamos livres de voltar a acontecer, um dia destes, afirmam os que estudam tais fenómenos.
fotografia: filipe sousa | 29 julho 2015 |
«Pouco depois das nove e meia da manhã o barómetro marca 27 polegadas e sete linhas; o termómetro de Réaumur assinala 14 graus acima do gelo. O vento chega fraco de nordeste.
Ouviu-se um ruído cavo e grave - «rugido tão medonho como o de hum espantoso Trovão» - e em simultâneo a terra tremeu. De imediato sentiu-se uma vibração apenas suficiente para fazer dançar as folhas de papel em cima de uma mesa, mas de contínuo aumentou «com tão violento, e estranho moto (=movimento), que logo indicou não ser puramente tremor». Objectos maiores caíram das prateleiras, molduras e crucifixos pregados às paredes baloiçavam como se fossem barbatanas de um peixe fora de água - «the frames flapped against the wall», descreveu uma testemunha inglesa. Os próprios edifícios começaram já a balançar para trás e para diante. A terra vibrava como se fosse atravessada por uma onda, disseram depois várias testemunhas - e muito correctamente, uma vez que o sismo é de facto uma onda de energia. (...)
O comerciante inglês que se encontrava à escrivaninha sentiu imediatamente o choque. Os móveis tremiam e objectos diversos caíram logo nos primeiros segundos do sismo. Conseguiu chegar-se à janela e espreitar o que acontecia na rua. Segundo o seu testemunho - publicado em Londres sob o formato de folheto, e intitulado Uma descrição particular do recente e horrendo terramoto de Lisboa - foi então que viu cair parte do edifício em frente à sua casa. As paredes ruíram por cima de duas pessoas que passavam e que morreram logo ali. «that was bad enough», escreve o comerciante, mas o pior estava para vir. «Não passava um minuto», garante, «e vi a minha Mulher e Filha (que tinham corrido Porta fora ao primeiro Choque) serem enterradas vivas pela derrocada da parte restante do mesmo prédio» do outro lado da rua.
Aparentemente os edifícios começaram a ruir a partir do segundo minuto do sismo. (...)
O terramoto durou mais de sete minutos, com duas curtas paragens. Esta é uma estimativa de compromisso: existem testemunhos que dão como duração do terramoto dez ou quinze minutos; a maioria aponta para abaixo de dez minutos. Há quem garanta apenas uma interrupção ou até quem não se refira a nenhuma; seja como for, as paragens devem ter sido muito breves, porque todos se referem a este sismo como tendo sido apenas um (ocorreram, contudo, réplicas durante o resto do dia e os abalos sísmicos passaram a fazer parte do quotidiano nos meses e até anos seguintes).(...)
Muitos acreditavam, certamente, que era chegado o fim do mundo (...)»
Rui Tavares, O Pequeno Livro do Grande Terramoto - Ensaio sobre 1755, 2ª ed., Tinta-da-China. Lisboa, 2005, pp. 74-77.