Paris, Île de la Cité, Pont au Double

«Clique, claque - clique, claque - clique, claque - com que então isto é que é Paris! exclamei eu (continuando com o mesmo mau humor) - afinal Paris é isto! - hum! - Paris! exclamei, repetindo a palavra pela terceira vez. 
- A primeira, a melhor, a mais luminosa -
- As ruas todavia estão nojentas;
Mas, imagino, há-de parecer melhor do que cheira - clique, claque - clique, claque - Mas que algazarra fizestes! - como se alguém estivesse interessado em saber Que um homem de rosto pálido, e vestido de preto, tivera a honra de ser conduzido a Paris, às nove da noite, por um postilhão de justilho amarelo forrado de calamanco encarnado - clique, claque, - clique, claque - Maldito chicote -
-Mas assim é o espírito desta nação; por isso continua, continua - clique, claque.
Ah! - e nem sequer cedem as paredes! (1) - mas se até na própria ESCOLA da URBANIDADE as paredes estão todas cheias de mer - como haveríeis vós de proceder de outro modo?
E dizei-me cá, quando é que acendem os candeeiros? O quê? - nos meses de Verão nunca os acendem! - Oh! é a época das saladas - saladas e sopas, encore -
-Isto é demais, p'los meus pecados.
Ora eu não suporto esta barbaridade; como pode este cocheiro velhaco lançar tantos palavrões àquele cavalo magricela? não vedes por acaso, amigo, que as ruas são vilmente estreitas, que não há espaço na cidade inteira de Paris para dar a curva nem com um carrinho de mão? Na mais grandiosa das cidades do mundo, não teria ficado nada mal terem-nas feito um bocado mais largas; ou melhor, terem deixado ao menos o suficiente  em cada uma para que um homem soubesse  (mesmo que fosse apenas para sua satisfação) se estava a andar pelo lado direito ou pelo lado esquerdo da rua.
Uma-duas-três-quatro-cinco-seis-sete-oito-nove-dez.- Dez casas de pasto! e duas vezes mais barbeiros! e tudo isso só em três minutos de carruagem! ter-se-ia julgado que todos os cozinheiros do mundo, em feliz concerto com os barbeiros, haviam deliberado em conjunto - Vamos, vamos todos viver para Paris: os franceses gostam de comer bem - são todos gourmands - e nós haveremos de chegar bem alto; se o seu deus é a barriga - os seus cozinheiros serão fidalgos: e na medida em que a cabeleira faz o homem, e o cabeleireiro a cabeleira - ergo, teriam dito os barbeiros, ainda mais alto chegaremos nós - estaremos acima de todos vós - seremos no mínimo Capitouls (2) - pardi! (3) teremos todos direito a usar espada-
-E, ter-se-ia jurado (isto é, à luz do candeeiro, - mas disso não podemos nós ficar à espera), assim continuaram a fazer até hoje.»
(1) Como as ruas estavam muitas vezes sujas e enlameadas, devido às águas que corriam pelo esgoto central, por cortesia deixavam-se os peões passar junto à parede; em Paris, no entanto, até as paredes estavam sujas.
(2) Magistrado superior de Toulouse, etc. etc. etc. (NOTA DO AUTOR).
(3) Por Deus!

Laurence Sterne, A Vida e Opiniões de Tristram Shandy (The Life and Opinions of Tristram Shandy, Gentleman, 1759 - 1767), trad. e not. Manuel Portela, Edições Antígona, Lisboa,1998, parte segunda, vol. VII, cap. XVII, pp. 203-205.


fotografia: clara lourenço | 29 fevereiro 2012

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