Algures entre Marselha e Frankfurt

«(...) no mundo administrado e organizado à escala planetária a aventura e a miséria da viagem parecem limitadas; os viajantes de Baudelaire, partidos em busca do inaudito e dispostos a naufragar na sua surtida, encontram já no desconhecido, apesar de todos os desastres imprevistos, o mesmo tédio que deixaram em casa. Seja como for, movermo-nos é melhor do que nada: olha-se da janela do comboio que se precipita na paisagem, oferece-se ao rosto um pouco da frescura que desce das árvores do caminho, misturando-se à gente, e alguma coisa corre e passa através do corpo, o ar insinua-se entre as roupas, o eu dilata-se e retrai-se como uma medusa, um pouco de tinta transborda do tinteiro para se diluir num mar cor de tinta. Mas este brando afrouxar dos laços, que substitui a farda por um pijama, é a hora de recreio do programa da escola, mais do que a promessa da grande dissolução, do voo louco com que se transpõem os confins.»

Claudio Magris, Danúbio (Danubio, 1986), trad. Miguel Serras Pereira, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1992, pp. 13-14. 


fotografia: clara lourenço | 26 novembro 2017

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.