-Falta uma de que nunca falas.
Marco Polo baixou a cabeça.
-Veneza - disse o Kan.
Marco sorriu. - E de qual julgavas que eu te falava?
O imperador nem pestanejou. - Mas nunca te ouvi dizer o seu nome.
E Polo: - Sempre que descrevo uma cidade digo qualquer coisa de Veneza.
-Quando te pergunto por outras cidades, quero ouvir-te falar delas. E de Veneza, quando te perguntar por Veneza.
-Para distinguir as qualidades das outras, tenho de partir de uma primeira cidade que está implícita. Para mim é Veneza.
-Deverias então começar todos os relatos das tuas viagens pelo princípio, descrevendo Veneza tal como é, toda, sem omitir nada do que dela recordas. (...)
-As imagens da memória, depois de fixadas com as palavras, apagam-se - disse Polo. - Talvez eu tenha medo de perder Veneza toda de uma vez, se falar dela. Ou talvez, ao falar de outras cidades, já venha a perdê-la pouco a pouco.»
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis (Le città invisibili, 1990), trad. José Colaço Barreiros, Editorial Teorema, Lisboa, 2002, p. 90.
aguarela: filipe sousa | julho 2003 |
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