Reconstruí muito: é colaborar com o tempo sob o seu aspecto de passado, apreender-lhe ou modificar-lhe o espírito, servir-lhe de muda para um mais longo futuro; é reencontrar sob as pedras os segredos das origens. A nossa vida é breve: falamos sem cessar dos séculos que precedem ou se seguem ao nosso como se nos fossem totalmente estranhos; contudo eu tocava-lhes nos meus manejos com a pedra. Aquelas paredes que eu escorava estão ainda quentes do contacto com corpos desaparecidos; mãos que ainda existem acariciarão estes fustes de colunas. Quanto mais meditei sobre a minha morte, e sobretudo sobre a de um outro, mais tentei acrescentar às nossa vidas estes prolongamentos quase indestrutíveis. Em Roma utilizava de preferência o tijolo eterno, que só muito lentamente volta à terra de que nasceu e cujo esmagamento ou imperceptível pulverização se faz de tal maneira que o edifício permanece montanha mesmo quando deixou de ser visivelmente uma fortaleza, um circo ou um túmulo.»
Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano (Mémoires d'Hadrien, 1951), trad. Maria Lamas, 3ª ed., Editora Ulisseia, 1984, pp. 109-110.
fotografia: pedro sousa | 28 junho 2015 |
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